Home >> Há 90 Anos >> Atual gestão não avançou em agenda reformista
Pandemia e guerra impactaram os índices de desemprego e inflação
Por: Sandra Carvalho Em 8 de novembro de 2022
Jair Messias Bolsonaro, então do PSL, tomou posse em 2019, tendo como vice o general Hamilton Mourão e com o seu chamado “Posto Ipiranga” – o ministro da Fazenda, Paulo Guedes -, economista neoliberal da Escola de Chicago, que promete muitas privatizações e prosseguir com a agenda de reformas. Mas no primeiro ano – o único mais ou menos em condições normais – porque depois o mundo é assolado pela pandemia de Covid-19 e pela guerra na Ucrânia – Guedes não consegue avançar nesse propósito reformista.
“Há continuidade do teto de gastos. Há aprovação da reforma da Previdência, que já vinha sendo construída pelo governo Temer, mas não conseguem aprovar no primeiro ano a tão prometida reforma tributária”, informou a doutora em Economia e professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Débora Freire. O número de desempregados e o cenário de inflação persistente não mudaram com a entrada de Bolsonaro.
“O que ele faz basicamente no início é uma continuidade de ‘Uma ponte para o futuro’, de Michel Temer. Mas não avança nem em relação a isso, e não propõe coisas novas”, observou o doutor em História Econômica pela USP, Marcelo Magalhães Godoy, da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.
A economista Rita Mundim, especialista em mercados de capitais, mestre em administração e comentarista da Rádio Itatiaia, observou que, em 2019, o cenário externo e um acontecimento interno também não ajudaram a avançar com as pautas. “De cara, o governo Bolsonaro é impactado pelo crime ambiental de Brumadinho, que reduziu o faturamento da indústria extrativa mineral, e pela crise da Argentina, um importante parceiro comercial (…) Mas, no início de 2020, a expectativa já era de crescimento do País, mas veio a pandemia”.
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Mas, para além de pandemia, guerra e crises internacionais, o PhD em Economia pela Fundação Getulio Vargas, Euridson Sá, destacou alguns avanços.
“Foi aprovada durante o mandato de Bolsonaro a lei que estabeleceu a independência do Banco Central (…) e isso é importante para a condução da política econômica do País. No setor bancário, teve a implementação do open bank e do Pix, que já vinham sendo discutidos desde a era Temer. Privatizou a Eletrobras, a BR Distribuidora. Continuou o processo de concessão de aeroportos e rodovias. Aprovou Lei das Ferrovias, entre outras medidas que são estruturantes para dar mais eficiência à economia (…) o ponto fraco são as políticas sociais e de transferência de renda, que só passaram a ganhar uma atenção maior neste ano de eleições”.
A pandemia de Covid-19 literalmente parou o planeta a partir de novembro de 2019 e desarranjou a economia mundial. No Brasil, o primeiro caso foi confirmado em fevereiro de 2020 e, a partir daí, a condução da economia brasileira gerou muitas controvérsias, discutidas até os dias atuais.
Na avaliação de Débora Freire, compartilhada por um grande número de economistas no Brasil, houve demora do governo em assumir a gravidade da pandemia e dar respostas nos momentos adequados para mitigar os impactos econômicos e sociais do coronavírus.
“A partir de 2020, o governo passa a não cumprir o teto de gastos, dada a situação de emergência, e isso foi realmente importante e necessário. No entanto, foi preciso haver todo um processo de luta civil para que fossem tomadas atitudes (…) O governo passa a agir na medida em que vai sendo pressionado pela sociedade, pelo Congresso, pelos estados e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em relação às medidas sanitárias; ao auxílio emergencial, que inicialmente o Guedes queria que fosse de R$ 200 (…); em relação à vacinação, que poderia ter sido iniciada pelo menos um mês antes, certamente evitando milhares de mortes e agilizando a retomada da economia”, afirmou.
Freire também destacou o fato de o presidente da República não ter incentivado a população a se vacinar.” Pelo contrário, colocou sigilo de 100 anos em seu cartão de vacinação e não fez nenhum tipo de pedido para o povo brasileiro se imunizar. Isso afetou a economia, porque demorou ainda mais para atingir um percentual alto de vacinados e o País pudesse de fato reabrir”.
Mas a percepção do cenário recente é diferente, na avaliação de Rita Mundim. “O governo tomou todas as medidas necessárias para preservar empregos e pessoas. (…) O governo gastou mais de R$ 700 bilhões atendendo estados e municípios e conseguiu já em 2020 recuperar e recuperar forte. O nosso endividamento diminuiu porque tudo foi feito com muita responsabilidade fiscal”
Uma medida importante, segundo Rita, foi o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que liberou crédito às empresas durante a pandemia. O programa foi estendido até os dias atuais. “A reforma trabalhista feita anteriormente permitiu discutir os contratos de trabalho em outras bases”, acrescentou a economista. Também houve a liberação de uso de FGTS no pagamento de salários também ajudaram a mitigar os impactos durante as ondas mais graves da doença.
Para além dos impactos na saúde da população, a crise da Covid causou uma interrupção na cadeia de suprimentos mundial e isso afetou a indústria brasileira, impossibilitando um crescimento maior do setor e a geração de empregos. A situação ainda não está normalizada.
Até o fechamento desta edição, a Covid-19 já tinha matado cerca de 688 mil pessoas no Brasil, cerca de 10% de todas as mortes no mundo. “A economia de fato não retoma e o número de elegíveis para o Bolsa Família aumenta. Há um aumento da vulnerabilidade no País, que volta a lidar com o problema da fome”, destacou Débora Freire.
Passado o período mais crítico da pandemia de Covid-19, quando se ensaiava uma possível retomada neste ano, a economia brasileira foi impactada pelo acirramento da guerra entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro, quando Vladimir Putin deu ordens para se avançar na invasão do país liderado por Volodymyr Zelensky. O impacto na oferta mundial de petróleo é um dos efeitos do conflito, que fez com que o preço da commodity se elevasse, ampliando o preço da gasolina, do diesel e do gás de cozinha no Brasil, que têm grande peso no IPCA, a inflação oficial.
Mesmo antes da invasão da Ucrânia, a oferta mundial de petróleo já não conseguia acompanhar a demanda na retomada da atividade econômica, à medida que as restrições contra a Covid-19 eram flexibilizadas. O governo federal, como principal acionista da Petrobras, tentou intervir para segurar os aumentos, trocando a presidência da Petrobras várias vezes e, nos últimos meses, chegou a se anunciar reduções nos preços dos combustíveis, o que contribuiu para reduzir um pouco a inflação, que ainda persiste acima da meta do BC.
“Apesar de tudo, a retomada é forte. (…) A taxa de desempregados é hoje 9 milhões. Não é mais um Estado quebrado que está puxando o desenvolvimento, é o setor privado”, completou Rita Mundim.
Fato é que Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, perdeu o pleito na última semana na votação mais disputada da história da República para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A transição de governo, já iniciada na última quinta-feira (3), já deu alguns sinais de que a condução da economia do País será pautada em responsabilidade fiscal, porém sem cortes nas políticas sociais, de saúde e educação, que foram a bandeira de campanha do governo petista.
Para além das consequências da pandemia e das idas e vindas na economia, entre os fatos ocorridos em Minas Gerais entre os anos de 2010 e 2022, dois deles nunca serão esquecidos. Além de tirar vidas e causar graves danos ambientais, ainda afetaram a economia do Estado em cheio, que tem na mineração uma das principais atividades. O rompimento das barragens de rejeitos minerais em Mariana, na região Central, em 2015, e em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em 2019.
A barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, rompeu no dia 5 de novembro de 2015. A tragédia matou 19 pessoas e causou o maior desastre ambiental da história do Brasil, já que os rejeitos minerais atingiram o solo e o leito do rio Doce. Foram despejados 60 milhões de m³ de lama tóxica, que varreram o distrito de Bento Rodrigues. A Samarco pertence à mineradora Vale e à BHP Billiton.
Essa, infelizmente, não foi a única tragédia do tipo e parece que não serviu de aprendizado para que a segurança das barragens fosse melhorada. Menos de quatro anos depois, no dia 25 de janeiro de 2019, outra barragem da mineradora Vale se rompeu. Desta vez em Córrego do Feijão, em Brumadinho, causando uma tragédia bem maior: 270 pessoas morreram e quatro ainda estão desaparecidas. Os estragos ambientais e no seio das famílias de funcionários da Vale e de moradores da região foram imensuráveis.
Além das perdas humanas e ambientais, as duas tragédias causaram um estrago na economia de Minas Gerais, uma vez que a mineração é um dos mais importantes setores econômicos do Estado. “A atividade mineral foi impactada e isso afetou profundamente a economia da região Central. O prejuízo, sob o ponto de vista da economia no Estado só não foi maior porque o preço do minério no cenário internacional estava elevado”, afirmou o pós-doutor em história econômica pela London School of Economics, Sérgio Birchal, professor da universidade norte-americana Broward Colege e da Skema Business School.
Com a atividade econômica crescendo a um ritmo mais lento nos últimos 12 anos, outros setores da economia mineira também experimentaram crises. “O setor siderúrgico de Minas, que trocou de mãos se tornou um negócio global, foi impactado por um crescimento menor da China e pela grande oferta de aço no mercado internacional. A indústria de máquinas também foi impactada pela falta de investimentos, em uma economia estagnada. Já a indústria automobilística, a Fiat, experimentou crescimento pois liderou as vendas em boa parte desse período”, destacou Birchal.
Acontecimentos culturais e esportivos interferiram na economia de Belo Horizonte nos últimos 12 anos. Um deles foi o Carnaval. “Os blocos ganham as ruas da Capital e passam a atrair um número cada vez maior de turistas nessa época do ano”, contou o historiador e doutor em Ciências Sociais, Marcelo Cedro, professor da PUC-Minas.
Outro fato é a realização de jogos da Copa do Mundo, que provocou uma série de intervenções e atraiu muitos turistas, inclusive para a amarga derrota por 7 a 1 para a Alemanha no Mineirão.
A pandemia deixou as ruas da cidade vazias por meses, com o fechamento do comércio determinado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). E a capital nacional dos bares viu o setor de bares e restaurantes, assim como o comércio belo-horizontino em geral passar pela maior crise da história. Entidades do setor estimam que pelo menos 30% dos estabelecimentos faliram. “Também trouxe à tona muitos problemas sociais que precisam ser discutidos nos dias atuais”, destacou Cedro. De fato, houve um aumento visível no número de moradores de rua e pedintes nos sinais de trânsito da capital mineira.
A PBH, sob a gestão de Alexandre Kalil (PSD), foi uma das mais rigorosas do País no combate à pandemia. Mesmo assim, a cidade viu a ocupação de leitos de UTI atingir patamares superiores a 90%. Já o governo de Minas, sob a gestão de Romeu Zema (Novo), criou um plano estadual e flexibilizou regras para alguns setores, como a indústria, o que, segundo economistas, pode ter sido fundamental para que os prejuízos não fossem ainda maiores.
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