Home >> Há 90 Anos >> Economia patinou nos últimos 12 anos
Fatores externos, instabilidade política, pandemia de Covid-19 e guerra na Europa afetaram a atividade no Brasil
Por: Sandra Carvalho Em 8 de novembro de 2022
Os últimos 12 anos representam um dos períodos mais turbulentos da história econômica do Brasil. Reações equivocadas em um ambiente político para lá de conturbado afetaram a atividade, também impactada por acontecimentos inesperados, como pandemia, guerra e rompimentos de barragens.
A leitura do cenário recente é sempre difícil, segundo historiadores econômicos, pois ainda não há consenso sobre muitos pontos da economia brasileira nos últimos 12 anos, que serão abordados nesta nona e última reportagem da série especial “Há 90 anos”.
A série é um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO a leitores e internautas em comemoração aos 90 anos do jornal, completados no último dia 18.
A ex-ministra da Casa Civil Dilma Rousseff (PT), eleita presidente da República em 2010, ano em que o PIB brasileiro cresceu 7,5%, tomou posse em janeiro de 2011. O cenário internacional, segundo a doutora em Economia e professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Débora Freire, apresentava turbulências quase três anos depois da crise de 2008 – que começou com a bolha imobiliária dos Estados Unidos e foi semelhante ao crash de 1929, afetando mercados do mundo inteiro.
“No Brasil, até ali, aquela crise sistêmica do capitalismo havia sido de fato uma ‘marolinha’, como definiu o próprio Lula à época, mas depois de 2010, os efeitos serão maiores, com crises persistentes na Europa e Estados Unidos e uma China crescendo a uma velocidade menor”, destacou. Por isso, a equipe econômica – basicamente a mesma do governo Lula, liderada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega – opta por manter o ‘motor interno’ da economia ligado com o aumento do gasto público.
“Na tentativa de manter o ritmo de crescimento elevado diante do cenário externo adverso, optaram por manter um Estado forte, condutor do crescimento, com muitas obras públicas. Mantiveram o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), lançaram o PAC 2, aprofundaram políticas de transferência de renda e o gasto com o social, houve aumento do gasto com universidades, lançamento do Ciências Sem Fronteiras, entre outras ações e programas”, informou. Também foram criados diversos estímulos às empresas como incentivos fiscais e desoneração da folha de pagamentos de alguns setores.
Também houve a expansão do crédito às empresas via BNDES, a juros baixíssimos. Alguns setores foram escolhidos como setores-chave para o crescimento econômico, como por exemplo os consórcios de construção pesada, que atuavam em obras públicas, à época intensificadas para o Brasil receber as Olimpíadas de 2012 e a Copa do Mundo de 2014. Mas essa expansão dos gastos deu origem a um grande rombo fiscal e foi um erro, na avaliação da economista Rita Mundim, especialista em mercados de capitais, mestre em administração e comentarista da Rádio Itatiaia.
“O modelo das ‘campeãs nacionais’ é uma cópia do modelo capitalista de Estado chinês e russo, onde você escolhe as empresas e os empresários que vão fazer negócio com o governo. E para esses empresários, tudo. Foi onde vimos escândalos com medidas provisórias beneficiando setores”, destacou Rita, que entende que os pequenos e médios empresários precisavam ser mais estimulados no período.
Porém, para o doutor em História Econômica pela USP, Marcelo Magalhães Godoy, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, todas essas ações eram uma resposta às intempéries do cenário internacional, que vivia uma segunda onda dos efeitos da crise de 2008, afetando principalmente países emergentes, com o fim do ciclo de commodities. “Há controvérsias, mas entendo que é sempre uma resposta pró-ativa (do governo), buscando não submeter o País aos problemas internacionais”, destacou.
Com o consumo interno estimulado desde o segundo governo Lula, a inflação começou a preocupar já no primeiro mandato de Dilma Rousseff, ficando acima do teto da meta estabelecida pelo Banco Central. Um dos instrumentos do tripé macroeconômico usados para controlar e convergir a inflação para a meta é o aumento da taxa de juros. Mas a Selic estava em patamares elevados, freando consumo e atividade.
“A equipe econômica, a partir de 2012, busca, pela primeira vez desde 1999, tirar o protagonismo dos juros na inflação, dá início a uma redução forçada da Selic e busca outras ferramentas, chamadas macroprudenciais, para reduzir o crédito e conter a alta dos preços”, informou Débora Freire. Entre essas medidas, estavam aumentos dos depósitos compulsórios dos bancos, do fator de risco para liberar empréstimo, da taxa mínima de pagamento do cartão e de impostos em operações para crédito do consumidor.
Só que essa manobra não funcionou e deu início a uma grande briga entre governo e mercado financeiro. “Há uma uma redução paulatina, porém rápida, das taxas de de juros de 12% para 8%. Isso pega desprevenido o mercado financeiro, que trabalha com previsibilidade e taxas futuras. Muitos agentes perderam muito dinheiro”. A rápida redução dos juros também teve a finalidade de conter a valorização do real, que prejudicava as indústrias.
O controle de preços administrados também é outro ponto polêmico. O governo Dilma tentou conter a inflação segurando preços de insumos básicos para a população, como combustível, gás de cozinha e energia.
“Essa medida foi muito criticada por uma corrente de economistas, que entendem que o governo não deve intervir nesses preços, que devem ser comandados pela oferta e demanda. Essa intervenção fez com que estatais produtoras desses bens ficassem em situação financeira complicada. Começaram então a ter aportes do Tesouro para tentar segurar a situação dessas empresas. Porém, há outra corrente de economistas que entende que é preciso intervir sim para garantir o acesso da população a insumos básicos. Mas ainda não há consenso sobre esse tema”, observou Débora Freire.
Paralelamente a tudo isso, Dilma enfrentava problemas políticos. As manifestações de junho de 2013, que começaram em função do aumento das passagens de ônibus e metrô em São Paulo, passaram a acontecer em todo o País, questionando a precariedade da saúde, da educação, a Copa do Mundo no Brasil, entre outras questões.
Apesar disso tudo, embora em ritmo menor que nos governos Lula, o PIB brasileiro cresceu no primeiro mandato da presidente Dilma, a uma média anual de 2,3%. O Brasil chegou a ter uma situação de pleno emprego em dezembro de 2014, quando a taxa de desempregados ficou em apenas 4,3%, a menor deste século. Nesse cenário, Dilma se reelegeu presidente em 2014. Mas, naquele ano, o País que vinha conseguindo fazer superávits primários desde os governos FHC, começa a ter déficit nas contas públicas.
Isso faz o governo mudar o rumo da política econômica. No lugar do ministro da Fazenda expansionista Guido Mantega, entra o contracionista Joaquim Levy, economista neoliberal. A velha receita do tripé, que inclui metas de superávit fiscal e juros subindo para controlar a inflação, volta a ser seguida. “A literatura mostra que isso foi um estelionato eleitoral, pois Dilma se reelegeu prometendo um modelo, mas passou a seguir outro a partir de 2015”, avaliou Marcelo Godoy.
O Brasil entrou em recessão em 2015. E para completar, segundo Débora Freire, o Congresso que havia sido eleito em 2014 – com muitas lideranças oriundas das manifestações de 2013 – não votava com o governo. “Há uma grave crise política que impede que Dilma aprove pautas importantes para melhorar a economia”.
Em paralelo a essa situação complicada, em 2015 e início de 2016, já ocorria a Operação Lava Jato, que promovia uma caça às empreiteiras que se beneficiaram do esquema do Petrolão nos governos petistas. O ex-presidente Lula também era investigado e chegou a ficar preso por mais de um ano. Muitos empresários e políticos também são presos. A crise piora quando o vice-presidente Michel Temer (PMDB) divulga uma carta aberta dizendo estar cansado de ser um “vice figurativo”.
“Cometeram-se erros nas políticas econômicas dos governos de Dilma, mas esses foram potencializados pela crise política”, avaliou Godoy. Nesse cenário, acusada de pedaladas fiscais (operações que consistem em atrasar o repasse de verba a bancos públicos e privados com a intenção de aliviar a situação fiscal do governo), a presidente passa por um processo de impeachment e perde o cargo. Para uma corrente de cientistas políticos, foi um golpe parlamentar, mas ainda não há consenso. (SC)
Apesar de todos os protestos nas ruas que gritavam “Fora Temer”, o vice Michel Temer (PMDB) assumiu a Presidência da República no dia 31 de agosto de 2016, em um cenário desafiador, inflação insistente rompendo o teto da meta, um contingente de 12,3 milhões de desempregados e um País em recessão econômica. O novo ministro da Fazenda, Henrique Meireles, adota uma agenda neoliberal, pautada no programa do PMDB, lançado ainda em outubro de 2015 – antes mesmo do impeachment – chamado “Uma ponte para o futuro”, baseado na teoria do Estado mínimo e em reformas estruturantes.
E o tal crime de responsabilidade “pedalada fiscal”, do qual Dilma Rousseff foi acusada de cometer e perdeu o cargo, deixou de ser crime dias depois de Temer assumir, sendo legalizado pelo próprio Congresso. Outra medida de iniciativa do Executivo, voltada para reorganizar as contas públicas, foi a aprovação, no Congresso, do teto fiscal de 20 anos.
Além do teto de gastos, Temer reduziu investimentos em políticas sociais e tomou algumas medidas impopulares, como o envio de uma minirreforma trabalhista para o Congresso, que flexibilizava as relações de trabalho, com o objetivo de aumentar o número de vagas de emprego. “A reforma não alcançou os resultados esperados, porque já estávamos tendo uma queda de produtividade global e aumentou a precariedade do trabalho e informalidade”, disse o PhD em Economia pela Fundação Getúlio Vargas, Euridson Sa Júnior.
Outra reforma cuja tramitação foi iniciada no governo Temer, mas aprovada somente no governo seguinte, foi a reforma da Previdência Social. “O Temer entra para ser um reformista, mas é pego com a boca na botija no escândalo da JBS e não consegue cumprir a agenda de reformas prometida”, observou a economista Rita Mundim.
Donos do frigorífico JBS, Joesley e Wesley Batista, disseram em delação à Procuradoria-Geral da República (PGR) que gravaram o Temer dando aval para comprar o silêncio do deputado cassado e ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), preso na Operação Lava Jato. O áudio vazou e fez com que Temer perdesse a credibilidade para aprovar as reformas estruturantes no Congresso, segundo Rita.
Outra medida tomada no mandato-tampão de Michel Temer, ainda em 2016, foi acabar com a política de intervir nos preços de combustíveis, do governo Dilma. Uma das mudanças foi na política da Petrobras. “A Petrobras passa a atrelar o preço ao mercado internacional. (…) Isso é muito criticado por uma corrente de economistas mais à esquerda que entendem que a estatal deve cumprir uma função social”, afirmou a doutora em Economia, Débora Freire.
O fato é que as intempéries no exterior fizeram o preço dos combustíveis aumentar, o que ocasionou, em maio de 2018, uma grande greve de caminhoneiros, incentivada pelo então deputado federal Jair Bolsonaro (à época, do PFL), que parou o País. Temer também leiloou a exploração do pré-sal, que ficou com multinacionais.Com tantas medidas impopulares, Michel Temer deixou o governo ao fim de 2018, com apenas 5% de aprovação da população. E Jair Bolsonaro venceu uma das eleições mais conturbadas da história do País, marcada por facada no candidato, pela tentativa de candidatura de Lula, mesmo preso, e pelo fenômeno das fake news via WhatsApp.
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