Home >> Há 90 Anos >> “Dois motores” são acionados no Brasil
Boom das exportações e aumento do consumo interno motivaram alta do PIB na primeira década dos anos 2000
Por: Sandra Carvalho Em 11 de outubro de 2022
A economia brasileira foi alavancada por dois “motores” na primeira década dos anos 2000. Um deles, acionado primeiro, foi a elevação das exportações motivada, principalmente, pela aceleração da China. O segundo foi o avanço do consumo interno, impulsionado por aumento real do salário mínimo, crescimento do crédito e políticas de transferência de renda.
O resultado foi uma expansão média anual do PIB de 3,7%, com destaque para 2010, quando o avanço foi de 7,7%. O período foi uma espécie de “milagrinho econômico”, mas com distribuição da renda, diferentemente do que aconteceu no milagre econômico dos anos de 1970. Minas foi beneficiada pelo boom das exportações. Em Belo Horizonte, o destaque da década foi a valorização do Vetor Norte.
Esses são alguns fatos desta oitava e penúltima reportagem da série “Há 90 anos”, presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO a leitores e internautas em comemoração aos 90 anos do jornal.
Na virada do milênio, a economia brasileira tentava se recuperar das turbulências de 1999, causadas pelas crises na Ásia e na Rússia e pelas mudanças na economia. Essas mudanças referem-se à adoção do modelo do tripé macroeconômico pela equipe do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – com metas de superávit primário (redução no gasto público); metas de inflação balizando juros; e câmbio flutuante.
Mas quando o Brasil parecia voltar aos eixos, uma nova crise deixou literalmente o País no escuro: o apagão energético. “Foi necessário fazer racionamento de energia por causa da seca, mas também porque o governo federal, no esforço de cumprir metas de superávit primário, não investiu o suficiente para expandir a geração de energia”, explicou a doutora em Economia e professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Débora Freire.
Com os racionamentos de energia, foi preciso forçar uma redução na produção industrial e agrícola. FHC desenvolveu às pressas políticas e projetos para expandir a geração de energia elétrica. Ao mesmo tempo, a vizinha Argentina vivia uma crise sem precedentes. “Como a Argentina é um parceiro comercial importante, houve impactos, pois ela tinha antes da crise uma situação parecida com a do Brasil. Houve muita especulação e fuga de capitais do Brasil por conta disso também”, completou a docente.
Em 2002, foram as eleições que causaram nova instabilidade. É que o líder da esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), liderava as pesquisas de intenção de votos. “Por muito tempo, Lula teve um discurso de moratória e de não honrar os acordos com o FMI. O temor de um possível calote na dívida externa causou uma crise de confiança no mercado financeiro, que apostou contra a economia, gerando fuga de capitais. Como na época nós ainda não tínhamos uma reserva de dólares para contornar esse tipo de situação, isso gerou problemas no balanço de pagamentos, desvalorização do câmbio e inflação”.
Empresários brasileiros também ficaram temerosos, apesar de o vice de Lula ser José Alencar Gomes da Silva, uma das principais lideranças da indústria nacional na época.
O presidente FHC reuniu-se com os candidatos que lideravam as pesquisas da corrida presidencial, Lula e José Serra (PSDB), para que se comprometessem a manter os acordos internacionais. “Para acalmar o mercado, o Lula até lançou a ‘Carta ao Povo Brasileiro’, onde assumia o compromisso de honrar as dívidas do País e manter a política do tripé macroeconômico. Mas o que de fato deu algum resultado foi a escolha do Lula, após ganhar as eleições, por nomes como Henrique Meirelles e Antônio Pallocci para compor a equipe econômica”, relatou Débora Freire.
Com discurso de inclusão social em um cenário complicado – desemprego de 12%, inflação também de 12% ao ano e fome afetando 40 milhões de brasileiros -, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ganhou as eleições. Assim que assumiu a Presidência, em janeiro de 2003, sua equipe dedicou-se a recuperar a confiança do mercado. Mantiveram o tripé macroeconômico, fizeram ajustes como aumentar juros para conter a alta dos preços e elevaram a austeridade fiscal.
“Após esses ajustes contracionistas, a inflação voltou à meta. Começou um período de maior previsibilidade e segurança para o investimento. Ao mesmo tempo, houve grande melhora no exterior, com crescimento mundial puxado por Estados Unidos e China. Isso significou aumento das exportações brasileiras, principalmente de commodities, e impulsionou a economia”, informou a doutora em Economia Débora Freire.
O boom das exportações permitiu ao País acumular superávits no balanço de pagamentos. E, em 2006, o governo federal pagou antecipadamente dívidas com o FMI e o Clube de Paris. “O Brasil passou de devedor a credor. Também foi possível fazer reservas financeiras em dólar, um ‘colchão’ para blindar a economia em caso de instabilidade internacional, o que foi muito importante na crise de 2008”.
Em paralelo a tudo isso, o governo Lula criou, já em 2003, o Fome Zero, um projeto nacional que consistia num conjunto de programas de combate à fome, implementados em todas as esferas do poder público. Também criou o Bolsa Família, que reuniu e ampliou programas de transferência de renda para os mais pobres iniciados por FHC, em 2001, com exigência de vacinação em dia e frequência escolar.
Outra medida importante foi o aumento real do salário mínimo. “Isso ampliou o poder de compra da população e foi muito importante para alavancar o consumo interno”, explicou o doutor em Demografia e professor do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Mario Marcos Sampaio Rodarte.
A ampliação do crédito às empresas e às famílias, bem como um aumento dos investimentos em obras públicas – com destaque para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) -, também aqueceu a economia. “O boom das exportações e o consumo interno impulsionaram a economia na Era Lula. É como se o Brasil fosse um avião funcionando com dois motores, um externo e um interno. Na falha de um deles, o País continuou com o voo”, disse Rodarte.
No meio desse bom momento econômico, o governo Lula foi acusado de envolvimento em corrupção pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), um dos beneficiados pelo esquema que ficou conhecido como Mensalão, propina mensal paga pelo governo para que deputados aprovassem projetos do Executivo. Os valores chegavam aos parlamentares por meio de uma agência de Minas Gerais, de propriedade do publicitário Marcos Valério Fernandes, que chegou a ser preso.
Investigações apontaram que a prática era antiga e atingia várias esferas, com envolvimento de outros partidos políticos, como o PSDB e o Democratas. O caso causou uma crise política e custou a renúncia do ministro-chefe da Casa Civil de Lula, José Dirceu, que chegou a ser condenado e preso por corrupção. Já o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, renunciou ao cargo em março de 2006, após ser envolvido num outro esquema de lobby, supostamente praticado em uma casa de Brasília conhecida como a “República de Ribeirão Preto”. No lugar de Palocci, assumiu Guido Mantega, conhecido por ter um viés mais expansionista.
A crise mundial de 2008 foi um momento que mostrou a resiliência da economia brasileira. Ela teve início nos Estados Unidos, causada por um aumento abusivo nos valores dos imóveis. Hipotecas não foram pagas, bancos quebraram, bolsas caíram em todo o mundo. Houve aumento dos juros e da inflação nos EUA, com impactos semelhantes ao Crash de 1929. Teve um efeito “bola de neve” mundo afora, resultando em queda do consumo, diminuição dos lucros, demissões em massa em muitos países e, no caso do Brasil, queda das exportações.
“Houve uma pequena recessão em 2009. Mas essa crise não teve um impacto duradouro como no resto do mundo. O governo brasileiro fez uma política fiscal expansionista, aumentando o gasto público para alavancar a economia. Houve estímulos ao consumo interno, como redução de IPI da linha branca e de automóveis e aumento do crédito. Além disso, já tínhamos a reserva de dólares, o que amenizou o balanço de pagamentos. Foi de fato uma marolinha, como Lula descreveu à época. No ano seguinte, em 2010, houve grande recuperação e o PIB cresceu 7,7%”, destacou Débora Freire.
Parece clichê, mas Minas Gerais foi um retrato bem fiel do que acontecia no Brasil no que se refere à primeira década dos anos 2000. A economia do Estado foi movida pelas exportações e pelo consumo interno e pouco se diversificou. Pelo contrário, reafirmou a participação de alguns setores tradicionais, como o da mineração.
“Minas Gerais, como importante exportador de minério de ferro, acabou colhendo os frutos do boom de commodities, diante de uma China que crescia 10% ao ano. O Estado se destacou na pauta exportadora do País, reprimarizando ainda mais sua economia”, observou a doutora em Economia e professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Débora Freire.
Dessa forma, Minas acabou sendo um dos estados mais impactados do País quando ocorreu a crise mundial de 2008. “Mas os efeitos dessa crise, da mesma forma que ocorreu em nível nacional, não duraram muito tempo em Minas, pois a economia mineira também foi alavancada pelo aumento do consumo interno, motivado pelas políticas federais redistributivas e também recebeu muitas obras públicas do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)”, informou.
A docente também observou que a indústria mineira pouco avançou nessa década, em razão, na avaliação dela, da falta de um plano nacional de inovação tecnológica e da valorização do câmbio.
Uma obra da primeira década deste milênio que também contribuiu para aquecer a economia mineira no período foi a construção da Cidade Administrativa, projeto realizado na gestão do governador Aécio Neves (PSDB), que ficou no cargo entre 2003 e 2010.
Segundo o historiador, doutor em Ciências Sociais e professor da PUC-Minas, Marcelo Cedro, a justificativa para a intervenção era economizar o gasto com a administração pública, uma vez que boa parte das repartições estaduais funcionava em prédios alugados em diferentes pontos da área mais central da capital mineira, o que também gerava grande impacto no trânsito.
“A ideia era centralizar toda a administração pública no bairro Serra Verde e valorizar o Vetor Norte da cidade”. Inicialmente estimada em R$ 500 milhões e contratada por R$ 949 milhões, a obra custou R$ 1,2 bilhão aos cofres estaduais. A economia projetada pelo governo na época era de R$ 80 milhões a R$ 90 milhões por ano. Até os dias atuais, ainda não é consenso entre governadores se essa economia de fato ocorreu. Mas a valorização do Vetor Norte da Capital realmente aconteceu, segundo Cedro.
Compondo o projeto, foram realizadas obras de infraestrutura como o projeto metropolitano da Linha Verde, que melhorou o acesso ao Vetor Norte e ao Aeroporto de Confins, que passou a concentrar um maior número de voos, desafogando o Aeroporto da Pampulha. “E os prédios da Praça da Liberdade, antes ocupados por setores da administração pública, deram origem ao Circuito Cultural Liberdade, tão importante nos dias de hoje”.
Desafios, superações e avanços no DC
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