Home >> Quem Fez História >> Mercado Central: trajetória de adaptações e glória
História da feira que se tornou ícone da cultura e da gastronomia é marcada pela união dos comerciantes
Por: Sandra Carvalho Em 26 de julho de 2022
Sandra Carvalho,
especial para o DC
A relevância de um empreendimento para a sociedade é um dos fatores que contribuem para que ele perdure décadas ou séculos e, em alguns casos, até se torne referência da cultura e dos costumes de um lugar. Esse é o caso do Mercado Central de Belo Horizonte, que completará em setembro 93 anos.
A trajetória da feira de hortifrúti que se transformou em um dos principais pontos turísticos e gastronômicos de BH será tema desta segunda reportagem da série quinzenal “Quem fez História”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO a leitores e internautas, como parte das comemorações dos 90 anos do jornal.
Na série, são abordadas histórias de empresas longevas que contribuíram para o crescimento econômico de Minas Gerais.
Em entrevista exclusiva ao DC – cujos vídeo e áudio estão disponíveis abaixo -, o presidente do Mercado Central, Ricardo Campos Vasconcelos, relatou a história do centro de compras mais antigo da Capital. Vasconcelos é filho de lojista. “Praticamente nasci aqui”, brinca ele, que vivenciou a história recente do espaço, conviveu e ainda convive com pessoas que testemunharam a história antiga do mercado.
Segundo ele, se o Mercado Central existe hoje com suas cores e sabores que fortalecem a cultura mineira, tudo se deve a uma sábia decisão do então prefeito de BH, Cristiano Machado (PRM), que, em 1929, resolveu organizar todos os feirantes da cidade em um único local.
Naquela época, conforme o Acervo dos Municípios Brasileiros do IBGE, Belo Horizonte assistia a um crescimento populacional desordenado. Havia feirantes na praça da Estação e, principalmente, no antigo mercado municipal, local que na década de 1930 virou a Feira de Amostras e, posteriormente, nos anos de 1960, deu lugar à rodoviária da Capital.
“Em 1929, a cidade já crescia fora do perímetro da avenida do Contorno. Tudo o que estava fora era considerado zona rural. As pessoas vinham dessas áreas rurais para trocar ou vender o que produziam. Era muito grande o movimento. Para organizar aquele comércio dentro do plano diretor, Cristiano Machado decidiu concentrar todos os feirantes em um local, equidistante de todas as regiões na área da Contorno”, contou Vasconcelos.https://anchor.fm/diariodocomercio/embed/episodes/Quem-fez-histria—Mercado-Central-a-histria-do-leilo-mais-inusitado-da-prefeitura-de-BH-e1lmcgj
Foi adquirido pela Prefeitura de Belo Horizonte um terreno pertencente ao América Futebol Clube, entre a rua Curitiba e as avenidas Amazonas e Augusto de Lima. Era um campo aberto. A feira então passou a ser controlada pela prefeitura, que sabia quem estava ali e o que vendia. E, embora os comerciantes tivessem que pagar taxas ao município, segundo Ricardo Vasconcelos, os mais antigos diziam que tudo ficou mais organizado.
“No começo eram barracas de madeira, tudo aberto, no chão batido de terra. Tinha um local onde as carroças encostavam, com um bebedouro para os animais. Ficava mais ou menos no local onde está o prédio da ‘Loja do Paulo’. Todos chamavam, carinhosamente, de curral das éguas, porque é onde o pessoal ferrava os animais, consertavam as carroças, davam comida aos animais e voltavam no final da tarde”.
Os feirantes ficaram no espaço municipal até 1964, quando o então prefeito de Belo Horizonte, Jorge Carone Filho (PSD), entendeu que aquela feira gerava muita despesa para o município e decidiu vender o terreno à iniciativa privada. Naquela época, o Mercado Central já reunia mais de 700 feirantes, que entraram em desespero.
“O Carone percebeu a insatisfação. Eram 700 feirantes e suas famílias, uma quantidade significativa e uma parcela importante da população da época. Na tentativa de resolver o impasse, o prefeito sugeriu que os feirantes participassem da concorrência pública para tentar comprar o terreno”, relatou o presidente.
Foi aí que emergiu entre os comerciantes uma liderança cuja atuação foi extremamente importante para definir os rumos do mercado. Era Raimundo Pereira, conhecido como Dico, que organizou todos em uma associação para que a compra do espaço desse certo.
“No dia do leilão, às 8h da manhã, os feirantes, com as mulheres e as crianças e até os animais de estimação marcharam em passeata para a prefeitura. Tinha até um personagem conhecido no Mercado, o João dos Bichos, que criava uma cobra. Ele foi para o local com a tal cobra de estimação no pescoço. O saguão ficou lotado”, relatou Vasconcelos.
Porém, havia outros interessados em comprar a área. Era a Cotia, uma empresa de japoneses com sede em São Paulo. “Naquela confusão no saguão, os comerciantes meio que impediram os japoneses de entrar e arremataram o terreno”.
O edital dizia que poderia arrematar quem oferecesse quantia a partir de determinado valor. “Os comerciantes arremataram cada um dos lotes por um cruzeiro a mais do que estava sendo pedido e, dessa forma, não deram margem para contestação judicial da compra”, informou Vasconcelos.
Após a aquisição, o advogado Athenágoras Café Carvalhaes redigiu o estatuto do empreendimento societário. “Foi um estatuto muito bem feito, com pontos atemporais que garantiram governança, o que foi essencial para que o Mercado se mantivesse até hoje”.
Passado o sufoco da arrematação, houve um prazo para que os comerciantes fizessem adequações físicas exigidas no edital. Uma delas era o fechamento lateral e a cobertura da feira. “E assim foi feita essa linda caixa de concreto. Tudo muito simples, mas muito acolhedor e marcante. O arco do telhado é hoje uma identidade, um símbolo de Belo Horizonte, assim como os Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro”, observou Vasconcelos.
Mas e se os japoneses tivessem vencido? “Certamente, BH não teria o Mercado Central com a riqueza cultural que tem hoje”, observou o presidente do centro de compras. Segundo ele, a tal empresa Cotia adquiriu um terreno na rua Curitiba, em frente ao mercado. “Mas essa companhia acabou sucumbindo e esse terreno foi a leilão há mais ou menos 30 anos. O Mercado Central comprou o terreno, que hoje funciona como estacionamento”, completou.