Home >> Quem Fez História >> 1º Episódio – Adaptabilidade, resiliência, relevância e relacionamento
Por: Sandra Carvalho Em 12 de julho de 2022
Sandra Carvalho,
especial para o DC
Desde o início das operações da primeira empresa, há 150 anos, aos dias atuais, houve muita adaptação tecnológica, mudanças de mercados e, principalmente, crescimento. Hoje, são quatro plantas industriais – uma em Caetanópolis, uma em Sete Lagoas e duas em Pirapora, além de um centro de distribuição em Contagem e um escritório em Belo Horizonte. Toda essa estrutura emprega cerca de 3.500 funcionários e atende a mais de 3.500 clientes por mês. O atendimento é voltado ao mercado interno e às exportações. São produzidos, anualmente, 80 milhões de metros lineares de tecidos, o que daria para dar duas voltas no planeta Terra. Mas a capacidade da indústria têxtil é para 120 milhões de metros.
Na opinião do CEO da Cedro, Marco Antônio Branquinho, quatro características foram fundamentais para a trajetória de sucesso. “A primeira delas é adaptabilidade, que traz junto a inovação. A Cedro passou por todas as grandes transformações sociais, econômicas e políticas que o mundo moderno vivenciou. A capacidade de entender novas tecnologias, novos produtos, novos mercados e de se adaptar. As primeiras máquinas eram movidas por força hidráulica. Dez, quinze anos depois começa a tecnologia do vapor e só depois a gente vai estar falando em eletricidade. Houve transformação relacionada à mão de obra. Precisou pensar em trabalho assalariado, trouxe os primeiros conceitos de prêmio de produção, poupança para empregados, o que seria hoje a previdência privada. Isso é adaptabilidade, capacidade de enxergar as transformações que estão à sua volta”.
O segundo ponto, conforme Branquinho, é a relevância. “Uma empresa, para se perpetuar, tem que gerar impacto positivo sobre os acionistas, na comunidade onde está presente e na cadeia produtiva, promovendo fornecedores e ajudando na melhoria dos negócios dos clientes. Entender a realidade do cliente”, observou.
O terceiro ponto é a resiliência. A companhia passou por duas Guerras Mundiais, o crash de 1929, crise de petróleo, muitas mudanças na política do País que afetaram a economia, gripe espanhola (1918) e, por último, a pandemia de Covid-19, que ainda afeta a produção, pois o fornecimento de suprimentos e insumos que vêm do exterior ainda não foi normalizado. “Passar por isso tudo mostrou que não basta ser apenas resiliente. É uma oportunidade de aprender algo mais, tirar lições e voltar mais forte, mais sábio e mais estruturado. Ir um pouco além da resiliência”, frisou Branquinho, que assumiu a presidência da Cedro em 2014.
E o quarto e último ponto, na avaliação do CEO, são os relacionamentos da companhia com funcionários, clientes e comunidades. “Tratar todos com acolhimento, mas de forma objetiva e franca. Enfrentar os obstáculos dessa forma. Problemas, toda companhia vai ter. Ser honesto e franco com os clientes, evitar surpresas. No mundo empresarial, surpresas não são bem-vindas. Se antecipar a problemas e ser franco com clientes, construindo uma relação de confiança mútua”.
A história de uma nação é vivenciada por seu povo, mas pode ser contada através das empresas. Períodos de guerras, pandemias, crises políticas, sociais e econômicas, tudo pode ser analisado também sob a ótica das companhias, principalmente aquelas que passaram por adversidades e se mantêm firmes até hoje. Qual é o segredo – ou segredos – da longevidade dessas empresas na ativa por várias décadas ou até séculos? É o que se busca responder, despretensiosamente, com a série especial “Quem faz história”, criada em comemoração aos 90 anos do DIÁRIO DO COMÉRCIO, que estreia nesta edição com publicações quinzenais.
Em uma pesquisa na Junta Comercial do Estado de Minas Gerais (Jucemg), foram levantados os cadastros nacionais de pessoas jurídicas (CNPJs) mais antigos de Minas ainda na ativa. O mais antigo deles é de uma robusta indústria têxtil, criada no século 19: a Companhia de Fiação e Tecidos Cedro Cachoeira, ou apenas Cedro Têxtil, como é chamada hoje. A empresa, que no próximo 12 de agosto completará 150 anos de existência, surgiu das inquietações de um jovem visionário, chamado Bernardo Mascarenhas. A história da Cedro se confunde com a própria história da indústria têxtil no Brasil, e tudo graças ao Bernardo.
Filho de comerciantes bem-sucedidos na região de Curvelo, com apenas 17 anos, Bernardo Mascarenhas colocou uma ideia fixa na cabeça: queria criar uma fábrica de tecidos. “Ele se inspirou em teares de madeira, manuais, que a mãe dele, a dona Policena, tinha nos porões da Fazenda São Sebastião, ali na região de Curvelo. Era uma pequena tecelagem que ela utilizava para fazer sacaria, tecidos simples, bem rudimentares”, contou o CEO da Cedro, Marco Antônio Branquinho.
O garoto sabia muito bem o que queria, mas não tinha recursos suficientes para criar uma indústria e, muito menos, a experiência. Até ali, havia trabalhado no comércio de sal em sociedade com um dos irmãos, o Caetano. Mas ele queria algo mais grandioso. Bernardo e Caetano desfizeram a sociedade num momento bom para o comércio de sal, ficando cada um com uma importância significativa em dinheiro.
O ano era 1868, Brasil Império. O primeiro grande desafio de Bernardo para concretizar o novo projeto era conseguir mais dinheiro para investir na fábrica de tecidos. Tentou convencer o pai, Antônio Gonçalves da Silva Mascarenhas, e os irmãos mais velhos. Da turma toda (e eram muitos filhos), somente Caetano e Antônio Cândido, importante financista da região, embarcaram no sonho do irmão mais novo.
O próximo passo de Bernardo era definir com os irmãos a localização da fábrica, batalha em que o jovem foi voto vencido. “O Bernardo queria a fábrica na região de Juiz de Fora, por ser mais próxima da corte e por questões de logística e mercados. Mas ele não consegue convencer os irmãos, que querem o negócio ali, perto dos olhos. A fábrica então fica na região de Curvelo mesmo”, pontuou o CEO. Isso foi positivo, uma vez que a região tinha boa produção de algodão, o principal insumo.
A fábrica funcionaria na fazenda Cedro, propriedade dos irmãos em Tabuleiro Grande, num local hoje conhecido por Caetanópolis, na região Central do Estado. A sociedade com Antônio Cândido e com Caetano deu origem, em 1868, à empresa Mascarenhas e Irmãos, com capital de 150 contos de réis. A partir dali, começa a execução do projeto que viria a ser grandioso.
“Mas, nessa fase, faltava um conhecimento maior sobre a atividade”, informou Branquinho. Bernardo partiu em 1868 para o Rio de Janeiro em busca de pesquisa e conhecimento. “No Rio, ele faz os primeiros estudos e contatos e faz a compra dos equipamentos. Aí ele retorna com o maquinário e inicia a montagem”.
Falando assim parece simples, mas não foi não. “A escolha dos equipamentos, passando pela aquisição até a montagem deles, é um capítulo à parte na história da Cedro”, destacou o CEO.
A compra dos equipamentos demandou grande pesquisa por parte de Bernardo Mascarenhas. Enquanto ele estava no Rio de Janeiro fechando o negócio, os irmãos se movimentavam junto ao Império, buscando isenção de impostos de importação dos equipamentos. Do Rio, Bernardo fez uma visita a uma fábrica de tecidos em Itu (SP), que funcionava com o mesmo tipo de equipamento hidráulico que ele iria comprar.
O transporte e a montagem dos equipamentos foram mais um desafio na história da Cedro. Era um percurso de 60 léguas (cerca de 290 quilômetros) entre Juiz de Fora e a Fazenda Cedro.
“Imagina você transportar 250 toneladas de equipamentos do Rio de Janeiro a Tabuleiro Grande naquela época? Tinha estrada de ferro até Juiz de Fora. Mas de Juiz de Fora em diante não tinha. Ele teve que trazer tudo em carros de boi. Foram de três a quatro meses de transporte desse maquinário. E depois, o desafio da montagem, pois não havia ninguém no Brasil com experiência nesse sentido. Um tear mecânico naquela época era quase uma ‘nave espacial’. Bernardo teve muita dificuldade em trazer os técnicos. Eles não queriam vir para o interior do Brasil. Até o Rio de Janeiro eles topavam vir, mas ir para o interior estava fora de cogitação”, relatou o CEO.
Mesmo com todas as dificuldades, em 12 de agosto de 1972, Bernardo dá início à operação da fábrica da Cedro. A autorização de funcionamento foi dada por Dom Pedro II e publicada no Diário Oficial do Império. “E as coisas têm as suas dificuldades iniciais. O startup de uma nova operação, a aprendizagem de uso dos equipamentos, criar um conceito de indústria, um novo conceito em relação à mão de obra, pois estavam vivendo ali o triste período escravocrata. Fazer a transição da mão de obra de pessoas negras escravizadas, uma realidade que perdurava há mais de 300 anos, para a mão de obra assalariada foi uma grande adaptação, necessária”.
Passadas as dificuldades técnicas iniciais, a fábrica da Cedro começa produzindo a plena carga, a pleno sucesso. Vendo que se tratava de um bom negócio, que tinha mercado crescente no Brasil, outros irmãos e um cunhado de Bernardo pedem ajuda para montar uma segunda fábrica, a da Fazenda Cachoeira. O jovem obstinado, mas já experiente, mergulha de cabeça no novo projeto.
Dessa vez, para não repetir os mesmos erros de antes, ele opta por comprar o maquinário do novo empreendimento diretamente dos fabricantes, sem agentes atravessadores, e vai direto para Manchester, na Inglaterra, onde estão as maiores fábricas de equipamentos e tecelagens do mundo. Bernardo faz estágios nessas empresas, não apenas para entender o ofício ou aprender a lidar com as máquinas, mas, principalmente, para assimilar as perspectivas do setor industrial e do capitalismo no mundo. Lá ele percebe a importância do treinamento e valorização da mão de obra assalariada, costume que traz para o Brasil.
Na Inglaterra, ele passa por Liverpool e depois segue para os Estados Unidos e busca informações sobre algo novo, do qual pouco se sabia, mas que iria revolucionar a indústria no mundo: a eletricidade.
Nessa viagem, conhece Thomas Edson e faz estágio nos laboratórios de Edson, dando início ali a um novo talento em sua vida. Mas o fato de Bernardo ter sido estagiário de Edson, iluminado Juiz de Fora na mesma época em que Nova York era iluminada, ter construído a primeira tecelagem com teares elétricos do Brasil na cidade da Zona da Mata e o fato de ele ter feito projeto de iluminação de Belo Horizonte, em 1898, são um capítulo à parte na vida do rapaz obstinado, que podem ser lidos em detalhes no livro “Bernardo Mascarenhas: desarrumando o arrumado”, de Alisson Mascarenhas Vaz, editado pela Cedro Têxtil.
Voltando à história da fábrica da Cachoeira, Bernardo retorna do exterior, onde ficou por um ano aprendendo. Ele encomenda 52 teares hidráulicos para a produção de tecidos mais finos na fábrica da Cachoeira. A indústria fica pronta e entra em operação em 1877.
“Parte dos sócios das duas fábricas são as mesmas pessoas. Chega um momento em que elas concorrem entre si, competem com os mesmos produtos, têm os mesmos donos. Até que os sócios decidem pelas fusões das operações, em 1883, criando a Companhia de Fiação e Tecidos Cedro e Cachoeira. É o primeiro M&A do Brasil, com um estatuto e regras muito bem definidas, o que foi muito importante para a governança e longevidade da empresa”, relatou Marco Antônio Branquinho.
A fusão, feita pouco após a publicação pelo Império da Lei 3.150, conhecida por Lei das Sociedades Anônimas, dividiu o capital em 5.000 ações nominativas entre, inicialmente, nove sócios. No ano seguinte, já eram 18 sócios. A companhia, que não parou de se modernizar e crescer, foi uma das primeiras a ser listadas na Bolsa de Valores brasileira. “A Cedro é anterior à Bolsa, mas é a companhia mais longeva entre as companhias listadas”.
Bernardo estudou no colégio interno do Caraça, aprendeu a tocar piano e era um exímio pianista. Não tinha interesse em seguir com as tradicionais carreiras da época de médico ou advogado.