Home >> Quem Fez História >> A serendipidade na história do Pardini
Por: Sandra Carvalho Em 6 de setembro de 2022
Serendipidade. Essa palavra pode explicar muitos aspectos da expansão dos laboratórios Hermes Pardini. Trata-se da capacidade de descobrir, por acaso, coisas positivas, valorosas. Com trabalho, estudos, ciência, dedicação e serendipidade, um médico recém-formado, que atendia no final dos anos de 1950 em uma saleta na rua São Paulo, no centro de Belo Horizonte, conseguiu transformar Minas Gerais em referência quando o assunto é medicina diagnóstica.
Com a ajuda fundamental da esposa, dos três filhos e dos milhares de colaboradores, ele contribuiu para que o pequeno laboratório virasse uma das maiores redes do País, hoje com 177 unidades e cerca de 7.300 funcionários.
A trajetória de 63 anos do Grupo Pardini é tema da série quinzenal “Quem fez história”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO a leitores e internautas em comemoração aos 90 anos do jornal. O objetivo é contar histórias de empresas longevas para que sejam inspiração aos que hoje empreendem.
O vice-presidente fala com propriedade da história do Pardini, pois acompanhou parte importante da trajetória. Ainda estudante de bioquímica, aos 18 anos, Ferreira entrou para o laboratório como estagiário. Conviveu com a família Pardini e participou da expansão dos últimos 25 anos.
“O doutor Hermes era paulistano. Veio criança para BH, quando o pai dele assumiu a área comercial de uma indústria farmacêutica na Capital. Influenciado pelos contatos e amigos do pai, ingressou para a faculdade de medicina da UFMG”, relatou Ferreira. Em 1959, Hermes Pardini se formou. Já noivo da vizinha Carmen Cavalcanti, no dia 10 de agosto do mesmo ano, o médico abriu, com a ajuda do pai, uma sala de atendimento para exames na área de endocrinologia, no edifício Borges da Costa, na rua São Paulo.
“Doutor Hermes atendia os pacientes e realizava exames. Dona Carmen cuidava do administrativo, das compras e de receber os pacientes, e uma funcionária cuidava da limpeza e do cafezinho”. Meses depois, Hermes e Carmen se casaram e iniciaram uma família completamente ligada à área da saúde, que contribuiria bastante para a expansão da empresa.
E foi já nesse começo que a tal serendipidade mencionada lá no início desta reportagem aparece pela primeira vez e resulta em pioneirismo. “Ele vinha se especializando em hormônios desde a faculdade. Nesses estudos, percebeu que naquela época ninguém tinha metodologia para dosar hormônios em Belo Horizonte e começou a fazer exames na área”.
Mas as coisas não eram simples como hoje, quando laboratórios compram kits de exames prontos das indústrias para fazer análises numa máquina plug and play. “Ele precisou desenvolver os exames, usando cobaias e tendo de extrair insumos de animais, montando suas próprias soluções”, enfatizou Ferreira.
Dez anos depois, Pardini já era referência em exames hormonais na cidade. “Devido à qualidade e profundidade científica, recebia frequentes pedidos para ampliar os serviços. Em 1969, ele então inaugurou a Central Geral de Laboratórios. Aumentou as especialidades e começou a fazer exames bioquímicos, de hematologia e exames parasitários. Na própria rua São Paulo, montou outra unidade, que funciona até hoje e foi abrindo filiais no Alípio de Melo e região da Pampulha”, relatou.
“Ali onde é a sede, na rua Aimorés número 66, em frente, tem a unidade Aimorés número 33, para onde transferiu o ‘QG’ dele. E foi abrindo mais unidades, ainda dentro das análises clínicas, e aprofundando nessa linha”, acrescentou Ferreira.
Toda a história de expansão de serviços do Grupo Pardini, segundo o vice-presidente Alessandro Ferreira, é inspirada em atualizações e estudos científicos aprofundados em medicina diagnóstica. “Isso virou cultura no grupo, um legado do doutor Hermes e família. É nessas atualizações, como grupos de estudos, literatura, congressos – e é preciso lembrar aqui que doutor Hermes era professor de exames laboratoriais na Faculdade de Medicina -, que sempre surgem percepções sobre a necessidade de novos serviços”. Foi assim, por exemplo, que em 1994 o grupo criou a área de diagnóstico por imagem, passando a oferecer raio-X, ultrassonografia e, posteriormente, ressonância magnética, entre outros.
Aliás, a década de 1990 foi bastante produtiva. Em 1997, Hermes Pardini inaugurou o serviço “Lab to Lab”, ou seja, atendimento de laboratório para laboratório. “A fama de fazer em BH exames que poucos faziam se espalhou. Donos de laboratórios do interior procuravam o Pardini para uma parceria. O objetivo era evitar que pacientes, muitas vezes doentes, se deslocassem até BH para fazer exames. Eles então propuseram enviar amostras devidamente coletadas e acondicionadas e receber os resultados por fax ou telefone. O primeiro serviço foi para um laboratório de Governador Valadares”, contou Ferreira. A coisa deu tão certo que hoje o “Lab to lab” é o principal negócio da empresa, com 6.500 clientes (laboratórios) em 2 mil cidades do País.
Um ano depois, em 1998, o grupo criou o departamento de genética e biologia molecular. “A década de 1990 teve um boom de genética com o projeto do genoma humano, que transformou genética em uma das principais áreas de conhecimento. Um dos filhos do doutor Hermes, o Victor Pardini, com doutorado na área de genética, montou o departamento com o apoio dele, que vinha observando a tendência one stop shop. Era preciso que o cliente conseguisse realizar todos os tipos de exames no mesmo laboratório”, informou Ferreira, que ingressou no grupo na época da formação desse departamento.
Segundo ele, um dos destaques no início foram os testes de paternidade. “Em 2000, o laboratório fazia em torno de 50 testes de paternidade por mês. Posteriormente, o investimento em tecnologia barateou os custos, permitindo que o laboratório tornasse o exame mais acessível à população. Hoje, são feitos 4.500 testes mensalmente no País. A gente também trabalha na área forense, para análises e identificação de materiais coletados em cenas de crimes. E realiza exames de genética e biologia molecular de altíssimo grau de complexidade, como, por exemplo, o exoma”.
No final dos anos 90, o grupo inaugurava, em média, três novas unidades por ano na Capital e região metropolitana.
Em 2001, o laboratório passou a oferecer aos clientes o serviço de vacinação. Mais uma vez, a serendipidade entrou em ação. “O doutor Carlos Olney, que era o vice-presidente na época, tinha o hábito de conversar com clientes na recepção da unidade Aimorés para saber se estavam satisfeitos. Ele começou a observar mães perguntando se havia serviço de vacinação ou se alguém poderia informar sobre quais vacinas a criança tinha que tomar. Ele levou essa ideia para os assessores verem a viabilidade. Hoje, o Pardini é o maior aplicador de vacinas do País exatamente pela capilaridade que temos aqui em BH”. (SC)
Foi na primeira década dos anos 2000 que a família Pardini decidiu iniciar o processo sucessório, e o bastão da liderança foi passado pelo doutor Hermes aos três filhos – Áurea, Regina e Victor. Posteriormente, segundo o vice-presidente do grupo, Alessandro Ferreira, houve uma transição da gestão familiar para uma gestão executiva.
Fato importante nesse período foi a inauguração em 2009 do núcleo técnico operacional, em Vespasiano, a poucos minutos do aeroporto de Confins. Na área de mais de 100 mil metros quadrados com mais de 24 mil m² de área construída, o laboratório possibilitou a automação de todo o processo de produção. “Essa década ficou marcada na história do laboratório não apenas pelo tamanho e número de filiais, mas, principalmente, pela realização de exames inéditos no País e na América Latina”, afirmou Ferreira.
De lá pra cá, o grupo aprimorou a governança corporativa. “Criou-se um conselho de administração e, pouco tempo depois, entrou um sócio-investidor – o Gávea Investimentos. Nessa época, o Pardini adquiriu algumas empresas, como a Biocod (BH), a Pró-Genética (RJ) e a Diagnóstica (SP). Os processos de governança corporativa já estavam bastante avançados, o que foi extremamente importante para o próximo passo, que seria a abertura de capital, ocorrida em 2017”, informou o vice-presidente.
Segundo ele, a abertura de capital foi extremamente importante. “O Pardini ficou muito mais conhecido no mercado internacional. Com os processos de governança instalados na plenitude, o relacionamento com fornecedores e outras empresas melhorou bastante. O road show feito pelos executivos, do qual participei, foi muito importante. Sentar com investidores estrangeiros e saber o que passou a ser exigido da empresa deu aos executivos experiência e entendimento de como o mercado de capitais funciona”, avaliou.
Um dos mais recentes capítulos na história do Grupo Pardini é a gigante mobilização e transformação no atendimento impostas pela pandemia de Covid-19.
A equipe já não podia mais contar com o aconselhamento do fundador do laboratório, Hermes Pardini. Ele havia falecido três meses antes de surgir o primeiro caso de Covid no mundo, por complicações de uma pneumonia, aos 85 anos. Mas seu legado de trabalho estava posto.
“Quando surgiu o primeiro caso em Wuhan, na China, nós já começamos a desenvolver internamente os testes de Covid. Antes de a Covid chegar aqui, já tínhamos o teste padronizado”, contou o vice-presidente. Segundo ele, foi preciso criar um comitê de crise para gerir da melhor forma dificuldades ocorridas no mundo todo, como a falta de insumos como máscaras e luvas.
“Desenvolvemos um sistema automatizado de produção de exame chamado Guardian (…). Conseguimos fazer em larga escala. Depois da primeira onda, o Pardini foi responsável por 35% dos testes de Covid no Brasil. Chegamos a fazer 26 mil testes de Covid em um dia, funcionando 24 horas. Isso gerou sobrevida não só ao Pardini para passar por um período em que as pessoas pararam de ir ao médico e fazer exames, mas também para outros laboratórios parceiros”, relatou.
Com a vida voltando aos poucos ao normal e as pessoas voltando a cuidar da saúde regularmente, foi detectado um aumento da procura nos laboratórios. “Estamos preparados para atender a esse aumento na demanda e a conclusão é a de que certamente vamos sair dessa pandemia mais fortes do que entramos”, concluiu.
Ainda conforme Alessandro Ferreira, os planos de expansão do Grupo Pardini continuam. Desde a abertura de capital, foram realizadas novas operações. Atualmente, a fusão do Pardini com o laboratório Fleury está em análise pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). “O futuro aponta para um laboratório cada vez mais especializado, com tecnologia de ponta e muito investimento em genética e genômica, pois a linha que mais cresce é a da medicina personalizada”, finalizou.