Home >> Diálogos DC >> Ser humano é essencial na inovação tecnológica
Por: Thaíne Belissa Em 4 de agosto de 2022
Em tempos de revolução digital e discussões sobre metaverso, inteligência artificial, 5G e outras tecnologias, o Diálogos DC – iniciativa do DIÁRIO DO COMÉRCIO que busca o diálogo com a sociedade sobre temáticas baseadas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – promove uma reflexão sobre o lugar das conexões humanas no debate sobre a “Qualidade da Inovação e da Produção Tecnológica”.
Esse foi o tema da segunda edição do evento em 2022, que este ano leva o nome especial de Diálogos DC 90 anos, em comemoração ao 90º aniversário do DIÁRIO DO COMÉRCIO. A iniciativa, que está no seu 6º ano, acontece no formato on-line e será composta por 5 ciclos de debates, disponíveis entre julho e novembro no Youtube do DIÁRIO DO COMÉRCIO.
O segundo debate, lançado hoje, reuniu importantes lideranças da inovação em Minas Gerais: o gerente-geral de Inovação, Novos Negócios e do Açolab Ventures na ArcelorMittal, Rodrigo Carazolli, a gerente de Negócios e Parcerias da Fundep, Janayna Bhering, o cofundador do HackTown João Rubens, e o presidente do Sindinfor e do Conselho de Tecnologia e Inovação da Fiemg, Fábio Veras. Também participou do momento de discussão o diretor do Instituto Orior e representante do Movimento Minas 2032, Raimundo Soares.
Os convidados conduziram suas apresentações compartilhando vivências muito diferentes, mas que convergiram em uma mesma direção: o ser humano e suas conexões com outros humanos como chave para a inovação transformadora e de qualidade. O argumento apareceu logo no início da apresentação de Rodrigo Carazolli, que frisou que a inovação praticada na ArcelorMittal é focada nas pessoas e não na tecnologia. “A tecnologia é a habilitadora do processo, mas a inovação existe além da tecnologia. O cerne da inovação são as pessoas”, comentou.
Isso fica claro na cultura que embasa a inovação na empresa, que é guiada pelo que Rodrigo chamou de “os 5 C’s”: causa; colaborador; cliente; capital consciente e comunidade. O foco no humano está presente na causa da ArcelorMittal, que é “criar aço inteligente para as pessoas e o planeta”. Já em “colaborador”, a atenção está no empoderamento dos funcionários, que são conscientizados sobre o potencial de transformação da inovação e convidados a serem evangelistas dela.
Em “cliente”, essa atuação voltada ao humano se dá na busca pelo entendimento das demandas e jornadas dos consumidores, além da busca de parcerias com institutos de ciência e tecnologia (ICTs) e universidades para melhorar o desenvolvimento dos produtos.
“Quando falamos do C de capital consciente nossa principal atuação é com um fundo de investimento em startups de R$ 110 milhões. Seu foco é no smart money, ou seja, mais que dinheiro, levamos expertise e conexões. O último C, de comunidade, é focado na ideia de ecossistema. Temos mais de 4 mil startups que vieram do Açolab – primeiro laboratório de inovação aberta de uma empresa de aço no mundo – , além de ICTs, fundos de investimento e universidades. Desde 2018, desenvolvemos mais de 80 MVPs (produto mínimo viável) em diversas áreas, como industrial, vendas, logística e marketing”, detalhou.
Pensar o humano no debate da qualidade da inovação e da produção tecnológica é também pensar na formação de mão de obra qualificada para suportar a revolução digital. O alerta é da gerente de Negócios e Parcerias da Fundep, Janayna Bhering. Ela lembrou que não basta sermos bons em produzir artigos e pesquisas. É preciso, também, fazer a inovação chegar ao mercado, gerar capital intelectual para absorvê-la e reter esses talentos.
“Qual a estratégia nacional e de Estado para dar robustez a esse fomento de inovação pensando na formação de pessoas? Temos um gap de mão de obra qualificada e uma projeção de déficit de programadores. Quando a gente pensa, por exemplo, na mobilidade sustentável, sabemos que vamos passar por uma grande transição energética, e como essa mão de obra está sendo formada a tempo de buscarmos um protagonismo a nível mundial? Essa discussão é importante para que não sejamos apenas importadores de tecnologia, mas consigamos atender nossas demandas nacionais e, por que não, concorrer no fornecimento dessas tecnologias a nível global”, frisou.
Janayna também ressaltou a importância das conexões e da colaboração entre diferentes setores e esferas para o incentivo à inovação no Brasil. Nesse sentido, citou um dos programas apoiados pela Fundep, o Rota 2030, que foca o desenvolvimento da cadeia automotiva. Segundo ela, por meio de uma construção colaborativa de diversas entidades de classe, governo e academia, foi estruturada uma política pública para o fomento em pesquisas no setor automotivo.
“A partir da renúncia fiscal, as empresas contribuíram e assumiram o compromisso de investir em projetos de ciência, pesquisa e inovação do setor, o que já resultou em um fundo
de R$ 1 bilhão para fomentar a cadeia. E esse é um exemplo de programa com foco em colaboração e pensamento em ecossistema. Quando a gente fala nessa visão de futuro, o que a gente precisa pensar é: quais as estratégias de desenvolvimento de soluções que cada empresa e cadeia tem procurado? Quais as formas de colaboração para otimização de recursos para maximizar os resultados?”, provocou.
Em sua 6ª edição presencial, o HackTown é outro exemplo de como as conexões humanas podem estar no centro da discussão do fazer inovação. O festival de criatividade, que acontece entre 15 e 18 de setembro, em Santa Rita do Sapucaí, no Sul de Minas, reúne mais de 800 palestras, showcases e workshops em um polo de inovação visto como improvável, uma vez que se trata de uma pequena cidade do interior. O case foi apresentado durante o Diálogos DC pelo cofundador do evento João Rubens.
“Santa Rita do Sapucaí é um fenômeno: uma mistura da cultura interiorana, onde as pessoas vão à igreja no domingo à noite e depois vão comer cachorro quente na praça, mas também uma cidade onde você facilmente encontra pessoas sentadas à mesa conversando sobre Inteligência Artificial”, comentou João. Ele destacou que a missão do festival é conectar pessoas diferentes, provocando perguntas e reflexões que tiram os participantes de sua zona de conforto.
“Somos mais que um evento de cartão de visita porque acreditamos que, com o cartão, a pessoa só pode fazer negócios. Mas quando ela faz uma conexão humana negócio é só uma das muitas coisas que ela pode fazer”, frisou. Ele lembrou que o evento traz palestras e participações de representantes de diferentes áreas, como música, artes, gastronomia e artesanato. A ideia é justamente apresentar possibilidades diversas para que todos possam aprender e se inspirar com o que é diferente do habitual.
“Queremos que os participantes cheguem à cidade e não cumpram nada dos seus planos. Porque nossos planos são baseados na nossa zona de conforto. Não podemos deixar as pessoas nas caixinhas que vieram. Queremos que elas parem de procurar só aquilo que desejam para que elas tenham contato com algo diferente e ouçam coisas que nunca esperavam”, disse.
João afirma que essa conexão que embasa a cultura do festival já produziu muitos frutos, embora a organização do evento não tenha números consolidados. Segundo ele, há muitas histórias que já estão sendo contadas a partir da experiência do HackTown, como a criação de uma das maiores redes de grupos de WhatsApp de inovação do Brasil, a Exponential, que surgiu a partir de um grupo de carona de três pessoas que estavam indo para o festival.
Ele também acredita que o evento tem dado sua parcela de contribuição, trazendo para esse ambiente de inovação e criatividade um público que talvez não estivesse lá sem o apoio da organização. É o caso dos professores de escola pública e funcionários de órgãos públicos de Santa Rita do Sapucaí, que ganham a participação no evento.
“Nosso papel é conectar pessoas porque não existe inovação que parta das máquinas. Ela vem dos problemas que nós seres humanos vivemos, dos nossos relacionamentos e reflexões que nos levam a fazer algo diferente”, concluiu.
Se por um lado a qualidade da inovação está ligada à qualidade das conexões, como foi discutido pelos convidados, por outro lado, há ainda muitos desafios estruturais que atrasam os resultados dessas articulações.
O presidente do Sindicato da Indústria de Software e Tecnologia da Informação de Minas Gerais (Sindinfor-MG) e do Conselho de Tecnologia e Inovação da Fiemg, Fábio Veras, lembrou que o Brasil ainda sofre com números absurdos de evasão escolar e baixos índices de aproveitamento de disciplinas como matemática e português. Também destacou a profunda desigualdade territorial no País, que em algumas regiões mais parece a Suíça e, em outras, se assemelha a Uganda, onde boa parte da população vive abaixo da linha de pobreza.
“O que adianta falar do gap de mão de obra de tecnologia, das novas metodologias de desenvolvimento empresarial, da oxigenação da gestão corporativa através da inovação se nós estamos sendo incapazes de ter futuro? Não teremos futuro nessa esteira de pobreza, de desinformação e de desmotivação. Como podemos nos unir para fazermos algo pelo futuro? Porque não adianta morarmos em habitações incríveis se os nossos filhos do Brasil-Suíça vão para as mesmas ruas dos nossos filhos do Brasil-Uganda”, frisou.
O diretor do Instituto Orior, Raimundo Soares, destacou que a inovação surge justamente como resposta aos desafios da humanidade. “A cada época, a humanidade dá resposta aos seus desafios por meio da inovação. E, hoje, estamos numa crise civilizatória com muitos problemas e a questão é: como canalizar a inovação para dar respostas aos desafios da nossa época?”, questionou. Para Raimundo, a resposta passa pelo que ele chamou de comunidades de desenvolvimento.
“Essas comunidades são formadas por indivíduos atentos ao futuro e que desenvolvem formas de resolver os dilemas do presente. A questão que coloco para reflexão é: como essas comunidades de desenvolvimento podem se juntar em torno de um projeto de nação com uma premissa de não deixar ninguém para trás nesses vários Brasis?”, propôs.
Diante dos questionamentos dos debatedores, Janayna Bhering destacou que as iniciativas de fomento precisam contemplar um aspecto mais amplo do fazer inovação, incentivando, por exemplo, a educação a nível de ensino básico e médio. “Temos que nos despir do ‘egossistema’ para construir um ecossistema forte”, disse.
Rodrigo Carazolli também chamou a atenção para a necessidade de construção de referências positivas nessa produção da qualidade da inovação, a fim de que, pelo exemplo, outras empresas também inovem. “Empresas grandes como a ArcelorMittal são formadoras de opinião e têm capacidade de mover muitas outras organizações em suas cadeias, incentivando-as a inovar. Acredito que é esse movimento integrado, inclusive com empresas ‘coopetindo’ que vai gerar resultados significativos de transformação, que serão positivos para todos”, afirmou.
João Rubens lembrou a urgência de conscientização das lideranças, que são fundamentais para que as transformações estruturais aconteçam. “Quem está em posição de liderança e tem poder de transformar algo precisa refletir sobre quais métricas importam. Será que é só o lucro financeiro ou o impacto positivo de uma ação?”, questionou.
A presidente do DIÁRIO DO COMÉRCIO, Adriana Muls, encerrou o debate, lembrando que as articulações são essenciais sim, mas de nada adiantará se, antes, não houver um esforço individual para assumir parcelas de responsabilidade nessa construção de um futuro melhor. “A gente vive a cultura de apontar o dedo e nunca se responsabilizar. A questão da educação mesmo passa também por nós, que muitas vezes não favorecemos um ambiente de autonomia e criatividade para os nossos filhos. Precisamos olhar primeiro para nós mesmos enquanto indivíduos para depois conseguirmos transformar a sociedade”, finalizou.