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Último debate do Diálogos DC 90 anos, disponível no Youtube, tem como tema a geração e distribuição de riquezas
Por: Thaíne Belissa Em 5 de novembro de 2022
Quem acompanha as notícias do mundo corporativo percebe que, há algum tempo, palavras e expressões pouco comuns a esse ambiente, passaram a aparecer com frequência. É o caso de “propósito” e “sustentabilidade”, por exemplo. A mudança percebida no vocabulário aponta para uma transformação maior vivida no setor produtivo: a transição entre uma agenda focada na acumulação de capital para uma pautada no impacto social. E foi esse o ponto de partida da discussão do 5º Diálogos DC 90 anos, lançado neste sábado (5) no Youtube do DIÁRIO DO COMÉRCIO com o tema “Geração e Distribuição de Riquezas”.
Esse foi o último de uma série de cinco debates com temas baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), instituídos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015. O Diálogos DC está no seu 6º ano de realização e, em 2022, aconteceu em um novo formato em comemoração aos 90 anos do DIÁRIO DO COMÉRCIO. No próximo mês esse ciclo de discussões será oficialmente encerrado com a edição 2022 do Prêmio José Costa e a solenidade de aniversário do jornal.
O debate sobre geração e distribuição de riquezas se baseou, principalmente no ODS 8, que é “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todos”; e no ODS 12, que é “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”. Para a discussão foram convidados a diretora de Relações Corporativas da Fundação Dom Cabral, Marina Spínola; o assessor institucional da Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg), Geraldo Magela; e o diretor de Marketing e Propósito da fintech mineira Social Bank, Alonso Neto.
A transição entre as agendas vividas pelas empresas foi apresentada por Marina Spínola como uma tendência já identificada pelos estudiosos da FDC. Mas, segundo ela, essa é uma transformação maior vivida por toda a sociedade e que faz parte de uma virada de séculos. “A agenda do século XX foi marcada pela competitividade e um modelo de acumulação. Mas, agora, a sociedade e o meio ambiente dão sinais de que não é mais possível produzir e fazer negócios como fazíamos. Por isso, no século XXI, as empresas deixam de ser apenas um meio de produção econômica e passam a ser também agentes de promoção do bem-estar social”, afirmou.
A diretora destaca que essa mudança é clara, inclusive, no currículo de matérias das escolas de negócios, como a própria FDC. Se antes os alunos se dedicavam principalmente aos estudos de marketing, finanças e processos, hoje isso não é mais suficiente. Agora também precisam aprender sobre direitos humanos, comércio justo e capitalismo consciente. Para Marina Spínola, esse momento é histórico e devem se destacar aquelas empresas que melhor conciliarem essas duas agendas.
“Não descobrimos como será esse próximo passo, mas já sabemos que não dá pra ser como era antes: a sociedade tem dado sinais que não tolera mais esse modo de produção que desconsidera meio ambiente e questões sociais. Qualquer negócio que quiser ser
reconhecido com legitimidade terá que saber qual é o desafio da humanidade que ele ajuda a resolver. E nem precisa inventar a roda: já temos aí 17 grandes desafios mapeados pela ONU, que são os 17 ODS”, frisou.
Esse comprometimento com uma “causa externa” à do próprio negócio também foi destacado pelo assessor institucional da Ocemg, Geraldo Magela. Ele lembrou que, embora o cooperativismo seja por si só um bom exemplo de uma atuação mais coletiva – e, portanto, menos individualista -, ainda assim, o setor precisa se envolver em ações para além dele. “Vivemos um momento em que precisamos ter atenção com a sustentabilidade, com um desenvolvimento equânime. Estamos num processo integrativo entre planeta e pessoas e não dá mais para seguir, desconsiderando as diferenças ao nosso redor”, disse.
Nesse sentido, ele citou algumas ações do setor cooperativista em Minas Gerais, como o Dia C de Cooperar, que é uma data especial para celebrar o voluntariado. Nessa ocasião, as cooperativas reúnem a comunidade, parceiros, empregados e cooperados para iniciativas de responsabilidade social.
“Também posso citar nossa atuação durante a pandemia, quando muitas linhas de crédito a pequenas empresas chegaram por meio das cooperativas. Enquanto os bancos começaram a reduzir agências e focar em nichos, nós abrimos cooperativas e nos aproximamos das comunidades marginalizadas e excluídas, seja no interior do Estado ou mesmo dentro nos centros urbanos, como é o caso dos morros”, ressaltou.
O diretor de Marketing e Propósito do Social Bank, Alonso Neto, reforçou a ideia de “adotar um ODS” como desafio nos negócios, destacando a urgência disso acontecer dentro do setor financeiro, que é um dos mais estratégicos no desenvolvimento do País.
“Se as empresas seguem trabalhando apenas pelo lucro, só aumentarão o abismo econômico-social no País. Quando olhamos para o sistema de pagamento no Brasil percebemos uma evolução na digitalização e na experiência do usuário com a implementação do Pix. Mas, não vemos a mesma evolução na perspectiva de inclusão: ainda temos 30 milhões de desbancarizados e quase 90% do PIB no Brasil passa pelos grandes bancos”, pontuou.
Ele falou sobre a criação da fintech em 2017, que já nasceu com essa perspectiva de impacto social. Numa época em que ainda não existiam tantos bancos digitais, o Social Bank chegou com uma proposta diferenciada, dispensando o comprovante de renda e diminuindo a burocracia para aprovação de cadastro.
Além disso, a fintech se especializou no atendimento de públicos marginalizados, como os trabalhadores rurais, que vivem em cidades pequenas sem agências bancárias, e os refugiados venezuelanos, que precisam abrir uma conta no Brasil para receber um auxílio e se estabelecer no País. Hoje, o Social Bank tem 1,8 milhão de contas no Brasil.
O papel da liderança foi lembrado pelo diretor do Instituto Orior, Raimundo Soares, que teve a missão de levantar questionamentos para os debatedores. Ele lembrou que a necessidade de uma competitividade responsável e inclusiva surge diante de um cenário de desequilíbrio econômico, social e político.
“Estamos falando de um país em que 1% da população detém o dobro da riqueza dos outros 52%. De um Brasil que é a 10ª economia do mundo, mas está em 89º lugar em IDH e é um dos piores em distribuição de renda. E aí eu destaco a liderança, que de alguma forma apareceu nas falas de todos vocês. Esse não é um tema simples, mas é muito importante porque o mundo caminha para onde a liderança olha. E pergunto: qual a dificuldade no engajamento de lideranças e o que fazer?”, questionou.
Marina Spínola respondeu à provocação, dizendo que a solução passa por “colocar as pessoas no centro das decisões”. Para ela, isso é possível a partir do desenvolvimento de competências ligadas a questões como empatia e compaixão. “Ficamos muito tempo exigindo das nossas lideranças uma competência para performance econômico-financeira de curto prazo. Agora, precisamos dessas outras competências humanas, pois é a partir da sua transformação como indivíduo, que o líder vai imprimir novos valores em sua pauta de gestão”, disse.
Ela também sugeriu dar um passo atrás e, antes de pensar em soluções numa esfera mais ampla, fazer mudanças no micro. “Vamos pensar na perspectiva do indivíduo: quais as habilidades precisamos desenvolver para forjar comportamentos mais íntegros, mais saudáveis e criar uma nova cultura? Cada um de nós precisa ser fura-bolhas, sair do nosso mundo, aguçar a curiosidade, entender as diferenças ao redor, refletir e agir”, ressaltou.
Geraldo Magela também respondeu a pergunta de Raimundo, destacando algumas iniciativas no setor de cooperativas na área de desenvolvimento de liderança. Mas ele também concordou com Marina Spínola e afirmou que a mudança que almejamos para um futuro melhor passa pela humanização dos líderes. “Precisamos desenvolver competências na liderança no sentido de ser gente, de ser humano, de ter compaixão a ponto de se perguntar: como ser feliz num mundo de infelizes?”, disse.
Alonso Neto ampliou a discussão, lembrando que o líder não fará a mudança sozinho e, por isso, a transformação tem que caminhar na direção de um novo modelo de desenvolvimento econômico. “Não depende só de um líder ou uma competência específica. Eu acredito na agenda ESG como uma possibilidade de avanço na atuação das organizações em um modelo voltado para a distribuição de riqueza. O papel do líder será, nesse contexto, o de encorajar a mudança do modelo organizacional e, automaticamente, do modelo econômico”, afirmou.
A presidente do DIÁRIO DO COMÉRCIO, Adriana Muls, também comentou o desafio das lideranças, lembrando que líder não é apenas um governante, diretor ou alguém com algum título, mas todos os que exercem algum tipo de influência. “Somos todos lideranças e temos nossos papéis nessa luta. A pergunta é: como internalizamos essa agenda no nosso dia a dia?”, questionou. Ela também destacou a urgência de se pensar em ações estratégicas e reais que ajudem a consolidar o desenvolvimento sustentável.
“Há 20 anos a gente fala desse tema e muito se avançou, mas ao mesmo tempo pouco se avançou. Será que a gente não tem que acelerar o passo? Precisamos trabalhar pela mudança dessa cultura que é jogar a culpa para o outro e voltar para a esfera individual. Também precisamos trazer o tema da espiritualidade para as organizações. Distribuição de riqueza é a capacidade de enxergar o humano, mas se eu não estou vendo o humano nem em mim mesmo, como vou ver no outro e distribuir?”, concluiu.