Home >> Há 90 Anos >> Década de 1940: a economia mundial é abalada pela guerra
Minas busca suprir indústria do Rio e de São Paulo, que atendem aos esforços de guerra dos EUA; Pampulha é criada e projeta BH
Por: Sandra Carvalho Em 19 de julho de 2022
A década de 1940 jamais será esquecida e serve de aprendizado, principalmente, no que se refere a não aceitar a instauração de regimes totalitários e nefastos como o fascismo e o nazismo. A Segunda Guerra Mundial matou em torno de 40 milhões de pessoas entre os anos de 1939 e 1945.
Os esforços de guerra dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e dos Aliados (França, Inglaterra, Estados Unidos e União Soviética) envolveram economias do mundo todo, inclusive do Brasil, importante fornecedor de matéria-prima. Minas Gerais, que na época era o maior exportador de minério do País, também teve sua dinâmica impactada por esse triste capítulo da história da humanidade.
Mas foi na primeira metade dos anos 40, apesar da guerra, que Belo Horizonte viveu seu auge e teve seus momentos de “celebridade” mundial. A capital mineira, enfim, deixou de ser estigmatizada como “roça grande” e se consolidou como uma capital verdadeiramente moderna graças a Juscelino Kubitschek.
Esses são alguns dos fatos abordados nesta segunda reportagem do especial “Há 90 anos”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO aos leitores e internautas, em comemoração às nove décadas de existência do jornal.
A década de 1940 já começa sob a tensão da Segunda Guerra. O Brasil de Getúlio Vargas, no regime ditatorial do Estado Novo, manteve-se oficialmente neutro no começo do conflito, uma vez que comercializava com Alemanha e Itália. Há correntes de historiadores que afirmam, porém, que Vargas chegou a flertar com o nazismo de Adolf Hitler.
Mas o caso é que o Brasil tinha uma relação estreita e bem mais profunda com o poderoso vizinho rico do continente, os Estados Unidos, sendo o país norte-americano o principal parceiro comercial. Os EUA deixaram de ser neutros e entraram oficialmente na guerra ao lado dos Aliados no final de 1941, com os ataques do Japão à base de Pearl Harbor. Em 1942, após ataques supostamente de alemães a navios brasileiros, que causaram a morte de mais de mil soldados, Vargas saiu da neutralidade e anunciou apoio ao país norte-americano, posicionando-se contra o grupo da Alemanha nazista e da Itália fascista.
A costura desse posicionamento com os Estados Unidos, feita pelo então ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, resultou em uma parceria comercial ainda maior e de investimentos entre Brasil e o país norte-americano. O Brasil supriu os EUA com recursos minerais e bens intermediários e até finais nos esforços de guerra. Em troca, o capital norte-americano foi fundamental para a criação de novas empresas estatais e desenvolvimento da siderurgia brasileira.
Os acordos entre os dois países selaram, em princípio, um empréstimo de US$ 100 milhões para a modernização e implantação do projeto siderúrgico brasileiro, além da aquisição de material bélico no valor de US$ 200 milhões. Os aportes do governo de Franklin Roosevelt foram decisivos para que Getúlio Vargas criasse a Companhia Siderúrgica Nacional (1941, em Volta Redonda, RJ), a Companhia Vale do Rio Doce (1942, em Itabira, região Central de Minas) e a Fábrica Nacional de Motores (1942, que ficou conhecida como Fenemê, em Duque de Caxias, RJ).
“Foi um período em que o movimento pró-indústria já está mais que estabelecido no Brasil. Toda a infraestrutura institucional e legal, com leis trabalhistas, está praticamente estabelecida. Minas, que era a principal jazida de ferro do mundo, vai se especializar na produção de minério e bens intermediários e será o principal fornecedor para indústrias de São Paulo e do Rio, que, por sua vez, vão fornecer produtos aos esforços de guerra dos Estados Unidos”, explicou o pós-doutor em história econômica pela London School of Economics, Sérgio Birchal.
Segundo ele, a demanda americana ditava o que era produzido. “A Fenemê, por exemplo, começou produzindo motores de caminhão, de aviões, depois passou a produzir caminhões, tanques e até o Jipe fizeram. Tudo para atender aos Estados Unidos”. A guerra não impactou apenas as empresas estatais. Nesta época, a siderúrgica Belgo Mineira também fez uma ampliação em sua planta em Sabará, exatamente para atender à demanda norte-americana.
A matriz energética continuava sendo um gargalo para Minas Gerais na década de 1940. A geração de eletricidade era feita por poucas empresas privadas e internacionais, que prestavam um serviço ruim e insuficiente para o crescimento econômico. “Uma parte de Minas era atendida pela companhia privada Força e Luz. Na Zona da Mata, havia a companhia Cataguases Leopoldina, e algumas empresas tinham as próprias usinas. Os governantes da época perceberam que essas companhias privadas e internacionais não iriam fazer os investimentos necessários para a industrialização do Estado e iniciaram o movimento para estatizar o serviço”.
Outro grande desafio que permaneceu no início da década de 1940 era trazer o centro econômico de Minas Gerais para o mesmo local onde estava o centro político e administrativo do Estado, ou seja, Belo Horizonte. Desenvolver a economia naquela época era sinônimo de industrialização. A questão era que a Capital, planejada para ser moderna, já tinha extrapolado seu plano de ocupação e não tinha para onde crescer. A saída foi inaugurar o primeiro distrito industrial na vizinha Contagem.
“Belo Horizonte foi planejada para ter 200 mil habitantes quando chegasse no auge populacional. Em 1940, já tinha 211 mil pessoas. Aquela Beagá feita para ser uma cidade moderna e arborizada não se organizou para o desenvolvimento de grandes indústrias, como acontecia em outras grandes cidades. A capital mineira não tinha espaço nem para a construção de indústria e nem para abrigar trabalhadores. Por isso, iniciaram, lá nos anos de 1930, planos para o crescimento industrial para os vetores periféricos”, contextualizou a professora do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) Júlia Calvo.
O primeiro distrito industrial do Estado foi oficialmente criado em 1941, quando o coronel Juventino Dias – que hoje dá nome ao local – inaugurou sua fábrica de cimento no local.
No início, segundo historiadores, houve falta de infraestrutura urbana, como ruas e energia. “As próprias fábricas, como a fábrica de cimentos Itaú, criou uma estrutura de moradias para trabalhadores. Mas, no geral, não havia transporte, restaurante, serviços, e essa situação acaba sendo um dificultador para que as indústrias se mantenham lá na década de 40. Então, é um projeto que vai se consolidando na medida em que a cidade vai se urbanizando”, relatou Júlia Calvo.
Apesar de a industrialização não encontrar espaço em Belo Horizonte, a capital mineira tinha na década de 1940 um comércio movimentado, diverso, com importantes representações de marcas. As pessoas vinham de regiões distantes para adquirir produtos e serviços na Capital. Havia até alguns prédios modernos e a Feira de Amostras, no local onde é hoje a rodoviária. Mas a cidade ainda era estigmatizada como “roça grande” ou “Poeirópolis”, segundo a historiadora Júlia Calvo.
“BH foi criada em 1897 para ser uma grande cidade, moderna. Mas, até 1940, isso não acontece. Como não dava pra ter um desenvolvimento industrial, como acontecia nas grandes cidades do mundo, tinha-se a impressão de que aquela modernidade planejada jamais viria”, relatou.
A situação começa a mudar quando o então prefeito Juscelino Kubitschek de Oliveira, após revitalizar o centro da cidade, resolve tirar do papel um projeto criado pelo prefeito Otacílio Negrão de Lima nos anos 30: o Complexo da Pampulha. Otacílio iniciou as desocupações na região e represou o córrego Pampulha em 1938. JK ampliou e incrementou o projeto. “O JK pensava num espaço de lazer e turismo mesmo, moderno, nas pessoas vindo para BH para conhecer a região. No projeto inicial, tinha até um campo de golfe e um hotel, o que depois é alterado”.
Juscelino trouxe o urbanista francês Alfred Agache, que havia feito trabalhos modernos no Rio de Janeiro e em São Paulo. “Agache o aconselha esquecer o projeto, fala que o que JK precisa é de uma cidade satélite, não de lazer. Mas Juscelino persiste, chega a fazer um concurso de projetos, o que não dá muito certo, e depois ele conhece o Oscar Niemeyer, iniciando ali uma longa parceria”, informou a historiadora.
Segundo Júlia Calvo, como JK havia acabado de revitalizar o Centro, a Prefeitura de BH não dispunha dos recursos para a obra. “O Juscelino faz um acordo com os construtores, que assumem o risco financeiro do projeto”.
Cheio de curvas modernistas em alusão às “montanhas de Minas”, o conjunto da Pampulha – que inclui o cassino, a Casa do Baile, o Iate Golfe Clube (atual Iate Tênis Clube) e a Igreja de São Francisco de Assis – é feito em apenas nove meses e inaugurado em 1943.
“O impacto econômico não está necessariamente no local, está nas imagens do conjunto arquitetônico que passam a circular pelo mundo. Aparecem nas revistas internacionais e projetam Minas Gerais. Só aí que BH vai ter de fato o arrojamento que se propunha desde a sua fundação”, observou Júlia. Além disso, acrescentou a historiadora, o conjunto terá um impacto financeiro no município na medida em que atrai negócios e pessoas e exige a realização de obras de infraestrutura, como, por exemplo, a da avenida Antônio Carlos. “O impacto da Pampulha é no macro. É uma coroação de BH como uma capital moderna”.
Antes de ser deposto, Getúlio Vargas decretou eleições diretas, vencidas pelo general Eurico Gaspar Dutra, do PSD, partido criado pelos interventores nomeados nos estados por Getúlio. Seu primeiro passo como presidente foi elaborar uma nova Constituição da República e trabalhar pelo restabelecimento dos direitos democráticos dos cidadãos. Conforme historiadores, apesar de ser apoiada pelos antigos interventores de Getúlio, a política econômica do general Dutra foi na linha oposta à política nacionalista do antecessor.
Dutra incentivou a importação de produtos finais para combater a inflação, o que não deu muito certo. Mais tarde criou o Plano Salte, com investimentos federais em áreas estratégicas como energia e transporte. Em seus três últimos anos de governo, a economia cresceu a uma média anual de 8%.
Minas Gerais, após a deposição de Benedito Valadares, só foi ter eleições diretas em 1947, quando Milton Campos foi eleito. Até lá, vários interventores foram nomeados pelo presidente Dutra. A gestão do governador Milton Campos foi marcada pela busca de um equilíbrio nas contas públicas e consolidação de instituições democráticas no Estado. Fez investimentos estratégicos em escolas e pesquisas agrícolas e criou um novo distrito industrial, desta vez em Santa Luzia.