Home >> Há 90 Anos >> DC noticia esperança, crise e transição
Por: Sandra Carvalho Em 13 de setembro de 2022
Apesar de noticiar de forma sempre esperançosa todos os passos para a redemocratização do País nos anos de 1980, o DIÁRIO DO COMÉRCIO também mostrou detalhes de toda a crise econômica que marcou a chamada “Década Perdida”. Em reportagens e editoriais do jornal, fica nítido que a economia brasileira passava por um período de transição do desenvolvimentismo para o neoliberalismo. Também é nesse período que o DC mais uma vez é pioneiro e completa a informatização de todo o sistema de produção – desde a redação até a impressão.
As informações a seguir foram obtidas no livro “José Costa: Parceiro do Futuro” – de autoria de Lígia Maria Pereira, Maria Auxiliadora de Faria e Nair Costa Muls, lançado em 2007 pela Rona Editora – e também em entrevistas com o atual presidente do Conselho Gestor do jornal, Luiz Carlos Motta Costa, diretor de redação no período.
E como os anos de 1980 começam e terminam com o País em crise econômica, muitos foram os destaques sobre a situação no DC. Uma reportagem publicada em 7 de dezembro de 1982, por exemplo, tratava sobre o corte de despesas nas siderúrgicas estatais, afetadas pela queda dos investimentos no setor industrial. Nessa mesma edição, o jornal criticava o governo quanto a rumores de que o País recorreria ao socorro do Fundo Monetário Internacional (FMI), o que de fato ocorreu no ano seguinte. Em vários editoriais nessa época, o DIÁRIO DO COMÉRCIO alertou sobre consequências dos rígidos ajustes fiscais impostos pelo fundo para a liberação de crédito.
Diante da tendência crescente de contestação do papel do Estado na economia e da supervalorização da iniciativa privada na condução dos processos, o editorialista Osório da Rocha Diniz também alertava para uma possível desnacionalização das principais atividades econômicas do País, principalmente no setor industrial.
A defesa da livre iniciativa do empresariado mineiro e uma intervenção mínima do Estado na economia também pode ser vista na edição do dia 4 de março de 1983, quando foram divulgados resultados do encontro de 15 associações e federações do comércio do Brasil na sede da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas). Os empresários criticaram a inércia do governo diante da crise e a “excessiva centralização das decisões na área econômica, em descompasso com o processo de abertura política”.
E foi no ano de 1983 que Osório da Rocha Diniz publicou seu último editorial. Ele faleceu dois meses depois, aos 79 anos, finalizando uma parceria de sucesso de cinco décadas com o jornal. O último texto, na edição de 15 de abril, afirmava que o Brasil precisava de indústrias e que as mais urgentes eram aquelas que respondessem às necessidades econômicas do País e à segurança nacional. Ele relacionou diversos setores.
O jornal sempre se posicionou em favor da abertura política, passando pela ampla cobertura da campanha “Diretas Já!” em todo o País e, principalmente, em Belo Horizonte, e a eleição indireta de Tancredo Neves. O editorial do dia 28 de abril de 1984 mostrou decepção pelo fato de a Emenda Dante Oliveira, a Emenda das Diretas, não ter sido aprovada. A vitória de Tancredo foi claramente comemorada, assim como sua doença e morte logo em seguida foram profundamente lamentadas.
O governo Sarney e seus sucessivos planos econômicos – Cruzado, Bresser e Verão – foram noticiados em detalhes pelo jornal, com informações dos seus impactos nos setores empresariais e produtivos.
Todas as medidas em direção à abertura econômica também ganharam as páginas como na edição de 1º de outubro de 1985, que informou sobre a desestatização das empresas do grupo Siderbras.
Outro destaque da década foi a comemoração dos dez anos de operação da montadora Fiat, em Betim, na edição de 9 de julho de 1986. A matéria apontava a importância da montadora para a diversificação econômica do Estado e relembrava a campanha que o jornal fez para que a indústria se instalasse em Minas.
A instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em 1987, também foi apontada em editoriais como uma grande vitória da nação. Nas palavras de José Costa, o fundador do jornal, foi uma “materialização de um sonho longamente acalentado pelos brasileiros (…). A nação se reencontra solidária para redesenhar seu futuro. E nessa empreitada o Brasil deposita as suas melhores esperanças” – fecha aspas. O jornal noticiou de forma detalhada e analítica pontos da Constituição de 1988 relacionados diretamente às empresas e ao setor produtivo.
Mesmo que por votação indireta, a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República simbolizava esperança, pois era o primeiro civil a ocupar o cargo após 21 anos de ditadura militar. “Era um sentimento de que aquele tempo de inflação alta e economia estagnada e todas as durezas do regime militar passariam. O sentimento era de otimismo”, contou o presidente do Conselho Gestor do jornal, Luiz Carlos Motta Costa, diretor de redação no DIÁRIO DO COMÉRCIO nos anos de 1980.
Segundo Luiz Carlos, uma bela capa, cuidadosamente diagramada, que demonstrava o sentimento de esperança que a nação vivia, foi preparada com esmero pela equipe na véspera da posse de Tancredo, para a edição que circularia no dia 15 de março. “Preparamos a edição. Normalmente era em preto e branco, pois para colocar um colorido era sempre uma ‘proeza’. (…) Mas, na capa, colocamos bem no alto o símbolo do Tancredo, que eram dois traços em verde e amarelo. Deixamos tudo organizado e definido relativamente cedo. Eu fui embora. Estava cansado e ainda tinha um jantar. Mas estava ansioso para ver aquela edição no dia seguinte”, relatou.
Após o jantar, Luiz Carlos seguiu para sua residência. “Não liguei o rádio do carro, coisa que sempre faço no automático e também não liguei a TV ao chegar em casa. Tratei logo de dormir, pois o dia da posse certamente seria de muito trabalho. No outro dia, na recepção da sede na rua Padre Rolim, tomei um susto ao ver que a capa que preparamos não tinha saído. Antes mesmo de ler o conteúdo e entender o que aconteceu, eu parei por alguns segundos e a única coisa que passava pela minha cabeça ao ver a manchete foi: houve golpe. Isso porque o Figueiredo havia dito dias antes que o Tancredo não tomaria posse”.
Porém, como mostrava a edição, não era golpe. Tancredo havia sido hospitalizado em estado grave na noite anterior e a cerimônia de posse foi cancelada. O fato é que essa notícia veio bem tarde da noite e o chefe da redação na época, o Lester Moreira, obviamente, mudou a capa, atualizando a informação. Mas é uma edição que eu nunca esqueço”.
Em 11 de novembro de 1986, o jornal ressaltava em editorial que estava definido o novo modelo industrial brasileiro, no qual estava prevista uma taxa de crescimento industrial de 7,7% ao ano e cabia ao setor privado liderar a nova etapa da industrialização no País, frisando que os capitais externos seriam bem-vindos, desde que transferissem tecnologia. O texto também apontava para a necessidade de regras claras e a criação de condições para o crescimento da indústria local.
“E a primeira delas diz respeito exatamente aos mecanismos capazes de estimular os investimentos produtivos. (…) Desviar a poupança nacional da especulação para a produção será efetivamente o primeiro passo para que se possa fixar as bases de um modelo de desenvolvimento industrial autônomo (…). Um segundo ponto diz respeito às regras de convivência com os capitais externos. Eles serão bem-vindos à medida que representados por capitais de risco, que estejam preferencialmente associados a capitais locais que permitam o aporte de novas tecnologias”.
O texto representou tão bem o pensamento do setor produtivo em Minas que foi encaminhado pela diretoria-executiva da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) ao presidente da República da época, José Sarney.
Na correspondência de encaminhamento do editorial, a federação dizia que as ideias estampadas ali retratavam o pensamento dos industriais de Minas Gerais, “que não escondem o inconformismo em relação a certos procedimentos observados na área federal, que indicam uma política predeterminada de fazer crescer a hegemonia de um Estado sobre os demais no que toca às áreas decisórias das atividades econômicas”.
Além de ser porta-voz do empresariado mineiro, o DIÁRIO DO COMÉRCIO também buscou estimular os setores em momentos de crise econômica. Uma dessas iniciativas veio em 1983. O prêmio “Minas Exporta”, realizado em parceria com a Fundação Dom Cabral (FDC), buscou congratular empresas que se destacavam no comércio exterior.
Ao propor a parceria, a ideia da FDC era estimular as companhias a aperfeiçoar as operações para vendas externas. O jornal dava ampla cobertura ao prêmio anual.
Na edição de 27 de maio de 1988, a solenidade de entrega da premiação foi prestigiada pelo então ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega. Na ocasião, em discurso, José Costa ressaltou o crescimento das exportações em Minas e atribuiu o resultado a um enorme esforço nacional e, particularmente, ao ministro, pela sua agilização nas negociações externas.
“Era preciso simplificar as rotinas de importação e de exportação. Era preciso desburocratizar e eliminar entraves, num processo de desregulamentação que há de produzir bons frutos. Na economia brasileira, há excesso de presença governamental. Deem liberdade à iniciativa privada e ela fará sua parte, conduzindo o Brasil ao seu destino de grande nação”, disse Costa em discurso.
O prêmio Minas Exporta começou a ser atribuído em 1983 e até 1993 contou com a participação do jornalista José Costa em todas as etapas de premiação.
Em relação à estrutura física e de trabalho do DIÁRIO DO COMÉRCIO na década de 1980, os grandes destaques são a mudança para a atual sede, na avenida Américo Vespúcio, ocorrida em 1988, e a aquisição de equipamentos para operar o software Atex. Dessa forma, as duas coisas se deram na mesma época, segundo o presidente do Conselho Gestor do Jornal, Luiz Carlos Motta Costa.
“O prédio da rua Padre Rolim ficou pequeno. A mudança de sede se tornou necessária por vários motivos, entre eles, o fato de que editávamos dois jornais, o DC e o Jornal de Casa. E eram dois jornais com suas respectivas redações. Além disso, a empresa já estava suficientemente organizada com vários setores e um setor industrial/gráfico completo”, informou Luiz Carlos.
A escolha do local foi estratégica. “Precisávamos de um lugar com acesso fácil ao aeroporto da Pampulha, por onde chegavam muitos materiais publicitários”.
Já a aquisição do Atex, segundo Luiz Carlos, completou a informatização em todos os processos produtivos do jornal, da redação à gráfica. “Foi o primeiro sistema completo operado a partir da redação. O texto era preparado pelo repórter, passava pelo editor e ia direto para a página para a qual estava programado. O Atex processava imagens, integrando a parte do texto e a parte da edição até o resultado final, que já era o fotolito da página completa”, informou.