Home >> Há 90 Anos >> Anos de 1990: caos e estabilização
Brasil passa por confisco, impeachment, abertura econômica e controle da hiperinflação
Por: Sandra Carvalho Em 27 de setembro de 2022
A economia brasileira passou por profundas transformações na década de 1990. A principal delas foi a implantação do Plano Real, que conseguiu, enfim, controlar a inflação estratosférica que corroía a renda dos brasileiros. A opção clara pela agenda neoliberal também é característica do período.
No campo político, o Brasil assistiu ao impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto após a redemocratização. Também houve aprovação da reeleição para cargos do Executivo. Minas Gerais perdeu representatividade no PIB. E Belo Horizonte chegou aos 100 anos com muitos desafios.
Os fatos citados fazem parte desta sétima reportagem da série “Há 90 anos”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO a leitores e internautas em comemoração aos 90 anos do jornal.
Embora com uma inflação de quase 2.000% ao ano e dívida externa elevada, o Brasil inicia os anos de 1990 com esperança. Fernando Collor de Mello (PRN) havia sido eleito presidente, prometendo “caçar marajás”. Mas, no dia seguinte à sua posse, Collor e a ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo, deixaram os brasileiros apreensivos. Anunciaram o Plano Collor, um conjunto de medidas entre as quais estava algo nada popular: o confisco de recursos dos cidadãos depositados em bancos. As pessoas passaram a ter um limite mensal de saque do próprio dinheiro.
A justificativa para o sequestro monetário era acabar com a inflação. “Pretendia-se reduzir a oferta de moeda na economia. Havia um processo de correção muito expressiva de depósitos remunerados nos bancos e o plano parte de um diagnóstico de que era isso que aumentava a inflação (…) Foi um plano totalmente frustrado. Significou recessão e o investimento despencou”, explicou a doutora em Economia e professora do Departamento de Ciências Econômicas da UFMG, Débora Freire.
Com escassez de moeda, recessão e desemprego, a equipe econômica antecipou a devolução dos recursos e lançou o Plano Collor II, com congelamento de preços e prefixação dos salários, medidas que também não tiveram êxito.
Em outra ponta, Collor acelerou a abertura da economia ao investimento externo. A rápida adoção da agenda neoliberal foi desastrosa, na avaliação do professor emérito da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG e pós-doutor na área, Clélio Campolina Diniz. “A abertura deu-se de forma desmedida e começou a quebrar a indústria brasileira. O que dá autonomia a um país é a indústria de bens de produção. Ela é a matriz do resto. Se você joga essa indústria na crise, você inviabiliza o crescimento da economia de uma maneira sustentável. E foi isso que aconteceu”.
Contudo, o pós-doutor em História Econômica Sérgio Birchal entende que a abertura fez com que as empresas brasileiras se modernizassem. “Houve maior exposição à concorrência externa. Vários setores se reestruturaram, entraram novos players e cadeias produtivas. O Collor também acabou com a lei que proibia importação de itens de informática e isso foi importante para modernizar as empresas”, observou Birchal, que é professor da Broward Colege e da Skema Business Shcool.
Para completar, em 1992, Collor foi acusado de corrupção, após denúncia do próprio irmão num caso que ficou conhecido como “Esquema PC”. Paulo César Farias, diretor da campanha de Collor, teria desviado recursos. Com os “caras pintadas” nas ruas das capitais brasileiras pedindo sua saída, Collor renunciou, mas, mesmo assim, sofreu impeachment, ficando inelegível por oito anos..
O mineiro Itamar Franco, vice de Collor, assumiu a Presidência da República em dezembro de 1992 e entrou para a história como o presidente que acabou com a hiperinflação no Brasil. Para isso, sua equipe econômica – liderada pelo ministro do Planejamento, Fernando Henrique Cardoso – implantou o Plano Real entre 1993 e 1994. A primeira parte do plano foi um ajuste das contas públicas e a negociação de dívidas.
Na segunda parte, criaram uma unidade real de valor (URV). “O meio de troca continuou sendo a moeda da época (cruzeiro real). A URV funcionou como unidade de valor para corrigir distorções nos reajustes dos preços relativos. Os preços passaram a ser calculados em URV, que era equiparada ao dólar”, explicou o pós-doutor em História Econômica, Sérgio Birchal.
Em 1º de julho de 1994, dia em que a URV estava cotada a CR$ 2.750, veio a terceira parte do plano: adoção do real como moeda. Um real valia praticamente um dólar. A inflação, acumulada em 815,60% até junho, foi de 6,08% em julho. Com o sucesso do controle inflacionário, Fernando Henrique elegeu-se presidente em 1994.
Na “Era FHC”, iniciada em janeiro de 1995, o Brasil segurou a inflação e chegou a uma taxa de 1,5% em 1998. Para isso, a valorização do câmbio foi mantida por quatro anos. A medida teve efeitos colaterais. “A valorização do câmbio favoreceu as importações e isso impactou na competitividade da indústria brasileira. Também trouxe problemas ao balanço de pagamentos, deteriorando a balança comercial”, segundo a doutora em Economia Débora Freire.
Assim, era preciso aumentar a entrada de dólares para que o País pudesse pagar juros da dívida e importar. Foram feitos empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI). E uma saída para atrair investimento estrangeiro foi aumentar os juros. “Porém, isso fez com que o Brasil parasse de crescer e elevou o desemprego”, observou Débora.
Estagnada e sentindo a globalização, a economia brasileira ainda foi impactada por crises especulativas do México, Tigres Asiáticos e Rússia, entre 1997 e 1998, que afetaram o investimento externo no Brasil. Nesse cenário, FHC conseguiu a aprovação da reeleição e concorreu novamente. Reeleito, mudou os rumos da política econômica.
Cumprindo imposições do FMI, o Brasil adotou em 1999 o tripé macroeconômico. Uma das bases era a obtenção de superávit primário. O País passaria a arrecadar mais (impostos) e gastar menos no que se refere às despesas públicas. Mas parcelas e juros da dívida externa continuariam sendo pagos.
Outra base foi a adoção do sistema de metas de inflação. “O Banco Central abandonou a âncora cambial e passou a estabelecer uma meta de inflação, com uma banda de flutuação (piso, centro e teto). A taxa básica de juros do País passou a ser balizada para que a inflação ficasse o mais próximo possível da meta”, informou Débora Freire.
Já a terceira base foi o câmbio flutuante, calculado pela relação entre entrada e saída de dólares. Com isso, houve valorização repentina do dólar, o que impactou empresas que importavam insumos. “Como já vínhamos de um processo de desindustrialização, essa medida beneficiou apenas quem exportava produtos primários”. Assim, a economia brasileira termina os anos de 1990 estagnada, com desemprego preocupante e poucos avanços sociais. Mas a inflação estava controlada.
Na década de 1990, fica clara a opção de governos pela agenda neoliberal. Sob o argumento de modernizar o País e ampliar a produtividade e a competitividade, foram privatizadas 165 estatais entre 1990 e 1999, muitas delas de setores-chave, como o siderúrgico, de mineração, de fertilizantes e o petroquímico. Professor emérito da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, Clélio Campolina Diniz é crítico à forma como essas privatizações ocorreram. “Em alguns casos, pode-se dizer que foram doações, ou seja, o governo fez a preços baixos e ainda financiou”.
A Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo, foi repassada à iniciativa privada em 1997 por R$ 3,3 bilhões, mesmo com faturamento anual de R$ 2 bilhões na extração de minério. Outro exemplo é a Embratel, leiloada por R$ 8,8 bilhões em 1998, apesar de o governo ter investido R$ 21 bilhões no setor pouco antes.
Minas Gerais sofreu as consequências da política macroeconômica nos anos de 1990, a começar pela rápida abertura comercial. “O governo federal abriu a economia sem planejamento, sem política para proteger a indústria nacional. E isso impactou muito em Minas, principalmente no setor siderúrgico. O câmbio valorizado, favorecendo importações, também gerou prejuízos a diversos setores da indústria mineira. Muitas empresas quebraram e o Estado perdeu representatividade na economia do País”, informou a doutora em economia, Débora Freire.
O estímulo às exportações para favorecer a entrada de divisas no Brasil também afetou, principalmente em 1996, quando passou a valer a Lei Kandir, que isentava as vendas externas de ICMS, imposto de peso na arrecadação estadual.
“Como Minas é um importante exportador de minério e produtos agrícolas, o governo estadual perdeu receitas. Além disso, como houve na década renegociação da dívida dos estados com a União, Minas foi obrigada a fazer ajustes fiscais e uma série de privatizações, principalmente de bancos públicos. Isso tudo significou dificuldades na melhoria da oferta de serviços à população”, observou a especialista. “Houve uma desestruturação industrial no Estado e ao mesmo tempo um aumento da dependência da exportação de produtos primários”, concluiu.
Belo Horizonte viu uma estabilização no número de habitantes nos anos de 1990. Como não havia mais para onde crescer, a população cada vez mais buscava cidades da região metropolitana para morar. No entanto, grande parte ainda trabalhava e centralizava na Capital demandas por serviços como saúde e educação. Problemas no trânsito e na infraestrutura urbana continuaram.
O centro sentiu os efeitos da globalização, com a saída de moradores, comércios e serviços, segundo o historiador, doutor em Ciências Sociais e professor da PUC-Minas, Marcelo Cedro. Outro fator que contribuiu para o esvaziamento dessa área foi a proliferação dos shoppings. “Muitos prédios ficaram abandonados. Houve um aumento do descaso patrimonial e dos índices de violência na área central”.
A proliferação de ambulantes que comercializavam produtos do Paraguai também foi uma característica. “Buscou-se uma revitalização do centro com intervenções nos quarteirões fechados da praça Sete (…) A região da Savassi também sofreu com esse movimento (de esvaziamento) e também passou por revitalização”. Por conta dessas transformações, em 1997, quando BH completou 100 anos de fundação, a grande bandeira do poder público era transformar a cidade em uma referência em serviços.
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