Home >> Diálogos DC >> Diálogos DC 90 anos avalia a polarização nas eleições
Cenário político e social do País foi debatido no 4º Diálogos DC 90 anos, lançado hoje no Youtube do DIÁRIO DO COMÉRCIO
Por: Thaíne Belissa Em 29 de setembro de 2022
No WhatsApp, nos almoços de família, nas manchetes dos jornais. Não importa o espaço: de qualquer lugar é possível sentir o clima de tensionamento vivido pela sociedade brasileira, por conta da disputa de ideias políticas, valores e projetos de poder. Com as eleições e um cenário de polarização isso fica ainda mais óbvio. Mas, se por um lado esse ambiente é emocionalmente pesado para alguns, por outro há quem o enxergue como oportunidade.
A importância desses momentos de tensão e de subversão do status quo foi destacada durante o 4º debate do Diálogos DC 90 anos, que discutiu a “Qualidade da democracia e da cidadania”. Para os participantes, não há como construir uma noção coletiva de progresso, sem viver antes o desconforto de uma problematização.
O debate, lançado hoje no Youtube do DIÁRIO DO COMÉRCIO, faz parte de um ciclo de discussões com temas baseados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), instituídos pela ONU em 2015. O Diálogos DC está no seu 6º ano de realização e, em 2022, acontece em um novo formato em comemoração aos 90 anos do DIÁRIO DO COMÉRCIO. Ao todo serão cinco debates lançados entre julho e novembro.
O quarto debate do Diálogos DC 90 anos contou com a participação da head de Diversidade, Equidade e Inclusão da ThoughtWorks (consultoria global de tecnologia), Grazi Mendes; do procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Jarbas Soares Júnior; e de representantes da ONG Agência de Iniciativas Cidadãs (AIC), sediada em Belo Horizonte, que promove ações diversas com o objetivo de fortalecer sujeitos e organizações no enfrentamento aos desafios de construção da cidadania.
As representantes da AIC são: Rafaela Lima, a fundadora da ONG, e Luísa Camargos, a primeira profissional de Relações Públicas com Síndrome de Down no Brasil, que também é influencer digital e podcaster. Como nas edições anteriores, no papel de debatedor, também participou o Diretor do Instituto Orior e representante do Movimento Minas 2032, Raimundo Soares. O debate foi mediado pela jornalista Paola Carvalho.
Para Grazi Mendes, essa tensão política e social vivida no Brasil hoje faz parte do funcionamento democrático da sociedade e é, no fundo, uma boa notícia, tendo em vista que é fruto de mudanças estruturais da sociedade. “Vivemos o momento em que surgem novas narrativas e a tecnologia dá visibilidade a vozes que ficaram por muito tempo silenciadas. Isso tensiona o que a gente vê como normalidade, gera reação. O futuro está em disputa e as dinâmicas de poder lutam para ser mantidas como estavam”, afirmou.
Grazi acredita que o clima de confronto não deve ser ignorado, pelo contrário, é nele que vão surgir as oportunidades de melhoria. “Esses tensionamentos precisam acontecer e, sim, vai piorar um pouco antes de melhorar. O que a gente precisa fazer nesses momentos de transição é perguntar: quais são as pontes? Quais os diálogos necessários? Quais os movimentos que vamos fazer para encarar esses desafios?”, alertou.
Ela destaca que essas mudanças estruturais serão sentidas em todos os setores da sociedade e, no ambiente corporativo elas se darão por três principais vetores de transformação: diversidade, equidade e inclusão. “Há quem acredite que falar em diversidade no meio corporativo é modinha, então a gente pode começar desconstruindo isso. Diversidade é fato: somos plurais e diversos enquanto população e refletir essa diversidade da sociedade nas organizações deveria ser o normal, mas a gente está muito longe disso”, disse.
A diretora lembra que, mais do que discurso, as ações de inclusão precisam ser efetivas. Isso quer dizer que não basta dizer que “todas as vidas importam”, as organizações precisam se comprometer com ações intencionais que, de fato, ajudam a construir futuros melhores para todos. “Os nossos ambientes de dinâmicas de poder ainda são muito homogêneos e não dão conta de toda a pluralidade da sociedade. Então, se não agirmos efetivamente em prol da inclusão, a gente vai continuar repetindo como padrão de normalidade a exclusão. Diversidade, equidade e inclusão não podem ser vistas como uma pauta optativa, mas como uma mudança imperativa para todas as organizações”, frisou.
A fundadora da AIC, Rafaela Lima, também chamou a atenção para a importância do momento político que vivemos enquanto sociedade brasileira. “É no tensionamento que os direitos são conquistados. Eles não são dados, normalmente dependem de muita luta”, lembrou. Para ela, a chave está em entender que os conflitos que vivemos hoje não definem nossa realidade, como se fosse algo insuperável. Pelo contrário, os ânimos alterados e as disputas de valores mostram que somos uma sociedade em construção.
“É importante entender que a nossa realidade social é complexa e composta de sujeitos diversos, então o convite que a gente tem que fazer é problematizar. E a gente problematiza trazendo visibilidade para os diferentes sujeitos”, disse. Rafaela também lembrou que é urgente a perspectiva da diversidade como um valor. “Muitas vezes há uma leitura de que eu aceito o diferente de mim, como se a questão fosse aceitar ou não. E não é: a diversidade é um direito. Essa abertura ao debate com o diferente é pra ontem porque só assim vamos tecer as redes para lidar com os desafios que estamos vivendo”, completou.
A fundadora da AIC, Rafaela Lima, destacou que essa tarefa de dar visibilidade aos sujeitos diversos é uma obrigação conjunta da sociedade: governo, empresas, terceiro setor e mídia devem assumir sua responsabilidade nessa causa. Ela também frisou que a inclusão não está associada apenas a iniciativas complexas e exuberantes, mas também a ações cotidianas que, na sua simplicidade, melhoram a qualidade da cidadania.
É o caso do projeto “Bagaceira”, idealizado por Luísa Camargos, a primeira profissional RP com Síndrome de Down no Brasil. A iniciativa busca incentivar a autonomia e o lazer entre pessoas adultas com Síndrome de Down, por meio de saídas sem tutela (os pais ou outros responsáveis são vetados) para bares, restaurantes e boates.
Outro projeto liderado pela RP – esse com o apoio da AIC – é o “Inclusive Luísa”, que se utiliza de diferentes mídias para dar visibilidade às histórias, conquistas e desafios de pessoas com deficiência. “O objetivo é sensibilizar e mobilizar as pessoas para a causa da inclusão e combater o capacitismo. Para isso, convidamos pessoas com deficiência para contar suas histórias de vida. O Inclusive Luiza promove acesso, permite que as pessoas ocupem seus espaços e ajuda a garantir a cidadania das pessoas com deficiência. Todo mundo cabe no mundo e o mundo fica melhor quando todo mundo cabe nele”, disse.
Numa outra ponta, o Ministério Público também faz parte desse nicho de organizações que estão comprometidas em dar visibilidade aos direitos das pessoas diversas. Nas palavras do procurador-geral, Jarbas Soares, esse importante órgão é responsável por aquelas causas que “são de todos e, ao mesmo tempo, não são de ninguém”. Ou seja: causas públicas que não têm um defensor específico. “O MP zela pelos direitos fundamentais dos indivíduos, que são aqueles direitos que são de todos nós. Podem ser direitos ligados ao meio ambiente, às relações de consumidor-empresa ou, ainda, direitos de pessoas idosas e de pessoas com deficiências”, exemplifica.
O procurador ainda lembrou que o MP é uma instituição com garantias de autonomia e independência e que, portanto, tem poder para fiscalizar o Executivo. “Tudo o que venha contra o regime democrático, o regime das liberdades, o MP faz a defesa. Nossa responsabilidade é zelar pelo respeito aos poderes, mas também garantir que os poderes respeitem os direitos do cidadão”, disse.
A presidente do DIÁRIO DO COMÉRCIO, Adriana Muls, destacou que, a exemplo das iniciativas trazidas nesse debate, é urgente a criação de uma rede de pessoas e organizações que se comprometam, de fato, com a defesa da cidadania, da democracia e outras transformações necessárias para a construção de um mundo melhor.
“Precisamos entender esses problemas estruturantes trazidos nessa discussão e enfrentá-los, colocá-los na mesa, entendendo que a gente faz parte deles. Temos que problematizar e trazer propostas de soluções conjuntas, porque a gente não vai sair desses desafios sem uma rede, sem uma articulação entre os diversos olhares. E esse é o papel do Diálogos DC: promover esses espaços de mobilização, justamente porque a gente sabe que estamos em um momento de transição e o futuro que a gente vai viver depende do que fizermos agora”, concluiu.
Se é verdade que as empresas ajudam na melhoria da democracia e da cidadania por meio de iniciativas de diversidade e inclusão, também é verdade que elas se beneficiam com essas mesmas práticas. A análise é da diretora da ThoughtWorks, Grazi Mendes. Durante o 4º debate do Diálogos DC, ela apresentou de maneira didática três grandes impactos que as ações de equidade podem trazer aos negócios.
De acordo com Grazi Mendes, há diversos estudos que mostram a conexão direta entre diversidade e inovação. E não é muito difícil entender o porquê: ambientes homogêneos são espaços de repetição. “A gente se conforta na homogeneidade, mas só aprende com diversidade. Quando sou desafiada por perspectivas diferentes da minha é que desenvolvo curiosidade, que é fundamental no processo de inovação. A diversidade nos desafia a desaprender aquilo que não faz mais sentido, crenças reducionistas que trouxemos até aqui”, frisou. A diretora alerta sobre o risco de as organizações darem voz a pessoas muito parecidas e viverem em uma “câmara de eco”, o que pode gerar uma ilusão muito restrita de realidade. Ela lembra que há uma relação direta entre ambientes mais diversos e a capacidade dos times de desenvolver mais e melhor soluções para os problemas.
Garantir ações de diversidade também atrai os melhores talentos para as organizações, segundo Grazi Mendes. Ela lembra que a nova geração está realmente preocupada com a inclusão, tanto por uma questão de valor, quanto pela questão profissional, uma vez que ambientes diversos geram mais crescimento. “Essa geração já entendeu que a gente aprende mais em ambientes diversos e sabe que 72% do consumo brasileiro vem desses grupos que são historicamente minorizados, como mulheres, negros e pessoas com deficiências. Esses profissionais querem e escolhem fazer parte dessas empresas que já têm iniciativas pela equidade, então organizações que não estão se movimentando para ter ações efetivas para além do discurso já estão enfrentando esse problema na atração e retenção de talentos”, alertou.
Ao se preocuparem de forma genuína com a diversidade, a inclusão e a equidade, as empresas também têm ganho em reputação, segundo a diretora. E atuar fora dessa lógica começa a ser um risco para a imagem do negócio. Não é à toa que há sempre uma polêmica no mundo corporativo de alguma organização que lançou uma campanha sem a lente da diversidade, gerando impacto negativo. “Essas ações passam a ser uma agenda estratégica e não é só para quando sobrar tempo ou orçamento. Isso precisa estar na agenda, precisa haver metas, métricas, governança para fomentar a diversidade nas organizações”, reforçou Grazi Mendes.