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Foco no cliente contribuiu para longevidade da Araujo
Por: Sandra Carvalho Em 23 de agosto de 2022
Um funcionário que virou o dono do negócio e o fez prosperar. Honrando seus ensinamentos, descendentes dele tornaram o empreendimento a maior rede de farmácias de Minas e a marca lembrada por 81,5% dos mineiros quando o assunto é drogaria, segundo pesquisas para o prêmio Top Of Mind. A trajetória da centenária Drogaria Araujo passa por inovações em conceitos, mix, marketing e formas de comercializar.
Mas o segredo da longevidade está em uma tradição de família: colocar a necessidade do cliente em primeiro lugar. “A missão da Araujo é encantar e satisfazer o cliente. Mas você só conseguirá encantá-lo se tiver o produto que ele precisa. Pode fazer mil coisas, elogiar o cliente, mas se não tiver o que ele busca, não adianta nada”, destacou o atual presidente da rede, Modesto Carvalho de Araujo Neto.
Com 300 unidades no Estado, a rede de farmácias mais antiga de Minas Gerais, que cresceu junto com Belo Horizonte, é tema desta quarta reportagem da série especial “Quem fez História”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO aos leitores e internautas em comemoração aos 90 anos do jornal. A entrevista em vídeo com Modesto de Araujo Neto está disponível abaixo. Modesto Neto também preside a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma).
Segundo ele, a primeira unidade da rede surgiu em 1906, quando Abelardo Alvim e José Lage abriram a Pharmacia Mineira, na praça Rio Branco, na área central de uma BH que contava apenas com oito anos de fundação e ainda crescia no perímetro da avenida do Contorno. Em 1909, bem jovem, Modesto Carvalho de Araujo veio de São José da Lagoa, hoje Nova Era, para trabalhar no empreendimento do primo Abelardo Alvim.
“O ‘Seu Modesto’ era balconista e foi aprendendo aos poucos sobre o ofício de farmacêutico. Em 1913, o primo Abelardo recebeu uma proposta para trabalhar no Rio de Janeiro. Ele então propôs vender a farmácia ao Modesto, que contava com seus 20 anos. Só que, com essa idade, ele não poderia assumir um negócio. Foi aí que conseguiu a emancipação através de um amigo delegado e se tornou proprietário. Nessa época, trabalhou como guarda-civil à noite, um ‘bico’ para ajudar a pagar as parcelas combinadas”, relatou o atual presidente da rede.
O nome Drogaria Araujo surgiu pouco após a compra da Pharmacia Mineira. “A mudança aconteceu quando abriram uma farmácia na rua dos Caetés, bem próxima à do ‘Seu Modesto’, exatamente com o mesmo nome. Ele ficou um tanto preocupado, mas chegou à conclusão de que já tinha feito uma clientela na cidade e resolveu mudar o nome para Drogaria Araujo. Se deu bem, a freguesia continuou prestigiando”, contou. Uma das primeiras ações do jovem Modesto foi implantar o atendimento 24 horas.
Para o atual presidente da rede, um dos fatores que garantiram a longevidade da Drogaria Araujo é a capacidade de adaptação diante das crises, como, por exemplo, o crash de 1929, que afetou as importações brasileiras. “Naquela época não existia indústria farmacêutica. A matéria-prima era toda importada e desembarcada no Rio de Janeiro. Os sais usados pelo ‘Seu Modesto’ vinham, principalmente, da Alemanha e da Inglaterra para ser manipulados em Belo Horizonte. Diante da falta de matéria-prima ou algum produto, ele se virava como podia para atender os clientes”, disse.
“Se analisar bem, meu avô passou por duas guerras mundiais. Passou por várias epidemias, por crises, períodos em que não tinha gasolina. Ele sempre dava um jeito e resolvia o problema do cliente. Quando não tinha o produto, ele comprava em outra drogaria, mesmo que o preço fosse mais alto, e atendia o cliente. Até hoje a gente faz isso. Você só encanta o cliente se tiver o produto que ele busca. Esse diferencial ele já tinha lá atrás, e nós simplesmente continuamos”, completou.
Numa época em que pouco se sabia sobre marketing e propaganda, Modesto Carvalho de Araujo criou estratégias para atrair clientes. São iniciativas que posteriormente viraram praxe de divulgação no varejo e que fazem parte da história da propaganda mineira.
“Em 1927, por exemplo, houve uma propaganda no ‘Diário Oficial de Minas Gerais’ em que ele inovava ao anunciar medicamentos e também variados produtos, como o coalho Estrella para fazer queijo, leite condensado e a creolina, que era o desinfetante da época. Analisando, ele já estava ali construindo uma drugstore”, destacou o atual presidente da rede, Modesto Carvalho de Araujo Neto.
Nesse mesmo anúncio, o Modesto avô destacava que praticava preços iguais aos do Rio de Janeiro. “Ou seja, ele dizia ao cliente indiretamente que não cobrava sobrepreço pelo transporte da matéria-prima que era desembarcada no Rio”.
Outra estratégia do comerciante e farmacêutico prático para atrair clientes foi disponibilizar consultas. “Ele colocou um médico para atender de 8h às 11h gratuitamente nas farmácias”. É importante lembrar que naquela época, final dos anos de 1920, as pessoas tinham pouquíssimo acesso a médicos. “O farmacêutico resolvia todos os problemas. As pessoas só iam ao médico em última instância”, destacou.
Modesto também tinha um laboratório onde fabricava produtos exclusivos, como o xarope Jataí Glindelia Araujo, usado para tosse. “Era um xarope de uma gostosura que você não imagina. Tinha muitas propagandas desse Jataí, propaganda de Carnaval, com carros na avenida. Era um sucesso”, relatou o neto.
Àquela altura, a Drogaria Araujo tinha duas unidades, a matriz na Praça Rio Branco e uma filial no bairro Floresta. Cada uma tinha um farmacêutico responsável.
Mas um dos marcos da história da Drogaria Araujo foi a entrega em domicílio com automóveis, criada em 1927, quando pouquíssimas pessoas na cidade tinham um veículo automotor. “Não tinha gasolina, eram veículos a carvão. Até ali, as entregas dos comércios costumavam ser feitas de bicicleta. Mas ele percebeu que aquilo tinha um significado maior. Um automóvel parar em frente à sua casa naquela época era um sinônimo de status. De fato, foi um diferencial”, informou Modesto Neto.
Esse serviço de entregas com automóveis deu um grande salto em 1963, já sob a gestão de Modesto Carvalho de Araujo Filho, pai do atual presidente. Ele criou o Drogatel, o primeiro serviço de telemarketing para tele-entrega em farmácia no Brasil. A frota usada para entregar os produtos era composta por fuscas amarelos à gasolina (foto). “Meu pai queria uma loja em cada esquina, mas não tinha capital para isso. Aí criou o Drogatel como uma forma de ampliar o atendimento”.
Assim como o pai, Modesto Filho continuava apostando na publicidade. Um dos casos emblemáticos foi a propaganda relacionada à descida do homem à Lua. “O Carlos Maciel, da Alfa Publicidade, descobriu que ninguém queria patrocinar a transmissão, na Globo, da descida de uma das missões Apolo na Lua, pois havia uma possibilidade muito grande de a missão dar errado. O preço da propaganda estava baixíssimo. Ele então comprou o tempo de propaganda e fez um desenho animado que entrou para a história, com o Drogatel socorrendo astronautas na Lua”, contou. (veja vídeo do comercial aqui)
Irmãos do atual presidente, Eduardo e Marco Antônio de Araujo seguiram os passos do pai no negócio da família. “O Eduardo foi preparado para ser sucessor do meu pai. Ele gostava muito de engenharia e arquitetura e foi responsável por implantar inúmeras mudanças físicas e no visual das lojas. Já o Marco Antônio era médico veterinário e criou a Araújo Veterinária”, informou Modesto Neto.
O atual presidente da rede de farmácias, Modesto Carvalho de Araujo Neto, está no cargo desde 2004, mas passou a liderar a empresa da família ao lado dos irmãos em 1984, depois de ter passado alguns anos trabalhando no mercado financeiro. Foi na gestão dele e dos irmãos que o sonho de Modesto de Araujo Filho de ter uma unidade da rede “em cada esquina” começou a se tornar realidade, passando de oito unidades naquele período para 300 unidades nos dias de hoje, espalhadas pela Região Metropolitana de Belo Horizonte e cidades do interior do Estado. A expectativa é chegar ao fim deste ano com 350 unidades em funcionamento.
“Tudo tem seu tempo e assim tem sido com a expansão. O nosso crescimento ocorre em espiral, planejando a logística. Sempre falam: ‘Ah, você tem que ter uma loja em Uberaba. Nós vamos trabalhando em espiral e uma hora ela chegará a Uberaba. Mas é preciso planejar tudo com muito cuidado, para que o cliente seja sempre bem atendido”.
Também foi Modesto Neto que inovou no País, no início da década de 1990, ao implantar o modelo drugstore (farmácia como loja de conveniência) e o serviço de drive-thru. Na época, a empresa treinou 59 funcionários na Universidade da Flórida para entender melhor o trabalho e aplicá-lo.
Na história recente da Araujo, o diferencial tem sido novos serviços na área de saúde e novas formas de comercializar. A rede aplica vacinas, realiza exames simples de sangue, testes de Covid-19, entre outros. “Estamos batalhando agora para realizar exames laboratoriais com coleta de sangue nas unidades Araujo e encaminhamento para laboratórios parceiros. Mas ainda estamos em conversas com a Anvisa”, adiantou.
Em relação ao e-commerce, que já funcionava antes da pandemia, houve um aprimoramento após 2020, com vendas via site e aplicativos. “O e-commerce veio para ficar e, assim como o drive-thru, foi muito importante nessa pandemia de Covid. Aliás, é preciso destacar o esforço coletivo dos funcionários durante a pandemia. Chegamos a montar tendas para agilizar o atendimento. Foi um trabalho muito importante”.
Para o futuro, Modesto de Araujo Neto disse estar preparando a filha Sílvia de Araujo para sucessão. “Ela trabalha comigo, na minha sala. Espero que, quando eu não estiver mais aqui, ela seja aceita pela diretoria para me suceder”.
Sobre a expansão da rede, Modesto Neto diz ter os “pés no chão”. “A gente não pode trabalhar na emoção. É preciso trabalhar na razão e fazer planejamento para que as coisas saiam ao seu tempo e com retorno financeiro. Nossa responsabilidade é muito grande. Temos mais de dez mil funcionários. Se cada um tem quatro dependentes, estamos falando de um universo de 40 mil pessoas impactadas pelas nossas decisões. Então, temos de fazer tudo pra dar certo, de forma sustentada”, finalizou.