Home >> Há 90 Anos >> A montanha-russa chamada década de 1960
Ditadura, milagre econômico, criação do BDMG e crise urbana na capital mineira marcam os “anos rebeldes”
Por: Sandra Carvalho Em 17 de agosto de 2022
O Brasil desembarcou nos anos de 1960 colhendo resultados do acelerado crescimento econômico viabilizado pelo Plano de Metas de Juscelino Kubitschek (JK). Porém, o País vê chegar a conta da expansão via capital estrangeiro: inflação alta, aumentos da dívida externa, da concentração da renda e da pobreza, além de denúncias de corrupção.
O êxodo rural estava em seu auge, e capitais, como Belo Horizonte, viviam crises na infraestrutura urbana. Em Minas Gerais, há a criação de um arcabouço institucional que favorecerá a industrialização. No meio de tudo, um regime militar se estabeleceu, marcado por milagres econômicos e repressão.
A década de 1960, também conhecida como “anos rebeldes” em razão dos vários movimentos populares contra a ditadura, é tema desta quarta reportagem da série “DC: Há 90 anos”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO a leitores e internautas em comemoração ao aniversário de 90 anos do jornal.
No início dos anos 60, a guerra do Vietnã continuava. A Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética também. O conflito tem um dos seus piores momentos, pois, em 1959, Che Guevara e Fidel Castro lideraram a Revolução Cubana em parceria com a URSS. Uma guerra nuclear quase acontece. Para evitar que o movimento socialista avançasse no continente americano, os EUA voltam os olhos às nações latinas com sérios problemas econômicos e sociais, como era o caso do Brasil. O vizinho rico faz vultosos investimentos e interfere na política da região.
“É nessa época que é criado o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com o propósito de financiar projetos nesses países. Também há forte atuação da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe da ONU) para reduzir as desigualdades. Os EUA buscam, por meio de diversas instituições, impedir que ideias socialistas tomem corpo nos movimentos sociais cada vez mais frequentes nessas nações pobres”, explicou o doutor em História Social e professor do Departamento de História da PUC-Minas, Mário Lanna Júnior.
Nesse contexto, os brasileiros elegeram, em outubro de 1960, o conservador Jânio Quadros (coligação PTN e UDN) para presidente. Para o cargo de vice, o trabalhista João Goulart, o Jango (PTB), venceu novamente. Quadros assumiu um país com inflação, dívida externa e déficit orçamentário elevados. As desigualdades sociais, regionais e estruturais se acentuavam. De imediato, o presidente adotou uma política de corte de gastos, restrição do crédito, liberação do câmbio e congelamento de salários.
Isso deixou insatisfeitos os trabalhadores e movimentos sociais e sindicais, que, àquela altura, pipocavam País afora. Em outra ponta, Quadros buscou controlar as remessas de lucros de empresas estrangeiras ao exterior e cogitou fazer reforma agrária, o que desagradou a elite financeira e setores conservadores.
Sem apoio dos trabalhadores, dos empresários e menos ainda do Congresso, Jânio Quadros desistiu da Presidência sete meses após a posse. A renúncia foi anunciada exatamente quando seu vice, Jango, estava em uma viagem diplomática à China para relações comerciais. As oligarquias, que já vinham de várias tentativas frustradas de golpes desde a década de 1950, tentaram novamente impedir a posse de Jango, sob a velha narrativa cuidadosamente disseminada pelos EUA de se evitar a instauração do comunismo no Brasil.
Mas o clamor social aliado a um grande movimento em defesa da democracia, liderado pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, permitiram que a Constituição fosse cumprida e o vice assumisse. Porém, o Legislativo impôs a Jango uma condição: seria uma República Parlamentarista, com a diluição do poder entre presidente e o primeiro-ministro, que seria Tancredo Neves. Dois anos depois, um plebiscito foi realizado e o presidencialismo voltou a ser o regime adotado.
O presidente João Goulart, o Jango, tanto no governo parlamentarista quanto no presidencialista, tem uma proposta progressista, com uma agenda de reformas de base. “São reformas legítimas, que procuravam corrigir distorções do modelo econômico concentrador e excludente que vigorava até ali. A ideia é promover bem-estar social”, informou o doutor em História Econômica pela USP Marcelo Magalhães Godoy, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG.
A primeira delas seria a reforma agrária. Mas o projeto não agrada às elites conservadoras, que, junto à UDN, tinham agora o apoio das Forças Armadas. “Esse grupo vai conspirar e desestabilizar o governo, articulando a ruptura institucional que fornecerá as bases ao golpe militar”, ressaltou.
Segundo Godoy, o golpe de 31 de março de 1964 é liderado pelas Forças Armadas, mas apoiado pela classe empresarial, parlamentares e políticos democratas, como, por exemplo, JK, e pelas elites agrárias, além de uma parcela importante da classe média. “Os vetores para o golpe foram o anticomunismo, a crítica à suposta corrupção e a crítica à perspectiva de uma república sindicalista”, completou.
O anticomunismo era o argumento mais forte. Segundo a doutora em Ciências Sociais e professora do Departamento de História da PUC-Minas, Júlia Calvo, foram construídas narrativas a partir de fatos como, por exemplo, a viagem de Jango à China e por ele ter sido ministro do Trabalho com forte ligação junto a sindicatos. “Essa narrativa do comunismo vinha sendo plantada estrategicamente pelos Estados Unidos através do Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais)”, informou. O Ipes era formado pela nata do empresariado brasileiro e por representantes de multinacionais e financiado pelos EUA.
Os militares tomaram o poder em 1964, prometendo um governo de transição, ordeiro, pacífico e curto. No entanto, implantaram uma ditadura que durou 21 anos. O marechal Humberto Castello Branco foi eleito presidente, defendendo uma “correção de rumos” das relações externas, alinhando-se com o Ocidente. Os Estados Unidos oferecem um empréstimo de US$ 50 milhões ao Brasil.
Castello Branco mantém a centralidade do Estado no processo de desenvolvimento. Mas seu governo é marcado, principalmente, pela decretação de atos institucionais. Austeridade fiscal e redução de direitos trabalhistas também marcaram a gestão.
Foi no governo do general Costa e Silva, em 1967, que foi editado o mais duro dos atos institucionais, o AI-5, que iniciou uma fase de repressão e perseguição contra quem discordava do regime. É também nessa gestão que teve início o período chamado de “milagre econômico”. O economista Antônio Delfim Netto se tornou ministro da Fazenda. Houve facilidade de empréstimos externos e uma forte retomada do investimento público em infraestrutura, apoio ao processo de industrialização, combinado com restrições ao crescimento do salário.
O País vivenciou um crescimento médio anual do PIB de 11%, queda da inflação e aumento do poder aquisitivo do empresariado e da classe média, o que possibilitou alta no consumo interno e na produção de bens duráveis, especialmente eletrodomésticos e automóveis. Essa fase positiva duraria seis anos. Porém, houve aumento da dívida externa e a concentração de renda se agravou. Ou seja, a camada mais pobre não se beneficiou do milagre econômico.
Em Minas Gerais, na década de 1960, é mantida a política de desenvolvimento regional orientado. O Estado já havia resolvido nos anos anteriores gargalos de transporte e energia. Mantendo uma tradição de planejamento da diversificação, Minas consolidou um arcabouço institucional que favoreceu o crescimento econômico. Houve a criação do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), em 1962, pelo governador Magalhães Pinto (UDN), e do Instituto do Desenvolvimento Integrado (Indi), em 1968, por Israel Pinheiro (do PSD).
“O BDMG teve um papel fundamental de buscar financiamentos externos para os setores industrial e agrário e também para prefeituras. Já o Indi iniciou estudos técnicos das estruturas e da viabilização de novos distritos industriais. São órgãos independentes, mas a atuação conjunta deles foi fundamental para o crescimento de Minas nas décadas seguintes”, contou o doutor em História Social e professor da PUC-Minas, Mário Lanna Júnior.
Apesar de autoritário, o regime militar favoreceu a economia mineira. O Estado tinha uma política de desenvolvimento tecnocrata, em sinergia com a política federal. Um diagnóstico do BDMG enviado por Israel Pinheiro ao governo federal apontou o desenvolvimento orientado e reforçou essa boa relação que rendeu frutos. Foi em 1968, por exemplo, que foi inaugurada em Betim a Refinaria Gabriel Passos (Regap). “Minas capitalizou esse esforço de manter um bom relacionamento com o governo federal. Houve incentivos da União para a instalação de indústrias e na expansão da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)”, informou a doutora em Ciências Sociais pela PUC-Minas Julia Calvo.
Apesar de todo o avanço, o perfil da indústria mineira pouco mudou. “As indústrias mais modernas e de maior complexidade continuaram sendo de capital estrangeiro, transnacionais e multinacionais. A indústria de base era, na maior parte, de capital público, como a grande siderurgia. E os setores de menor complexidade, como, por exemplo, as indústrias têxtil e alimentícia, de capitais privados”, detalhou o doutor em História Econômica pela USP Marcelo Magalhães Godoy.
Em BH, a população praticamente dobra na década de 1960, saltando de cerca de 690 mil para 1,25 milhão de habitantes. O sistema sanitário entrou em colapso. “Vamos ter poluição e um grande problema de enchentes generalizado pela cidade. A solução foi canalizar tudo. A canalização também atendia ao interesse de melhorar a mobilidade. Precisavam alargar as ruas porque a realidade já era de automóveis e ônibus. Houve também a criação do Anel Rodoviário para tirar caminhões das áreas mais centrais”, informou Júlia Calvo.
No comércio, os olhos se voltam à Savassi. “É nessa época que a estrutura de lazer e de comércio vai atrair muita gente para a Savassi. A região se consolida como uma área para a alta renda”, completou.