Home >> Há 90 Anos >> Década de 1950: Da morte de Getúlio ao nascimento do DF
Década de 1950 é marcada por turbulências políticas e desenvolvimento; MG tem avanço rodoviário e BH vive expansão urbana
Por: Sandra Carvalho Em 2 de agosto de 2022
A década de 1950 é marcada, em seu início, pela volta de Getúlio Vargas à Presidência via eleições diretas e, dois anos depois, por seu suicídio. Em Minas Gerais, Juscelino Kubitschek era governador e, na segunda metade da década, tornou-se o presidente que construiu Brasília (DF).
Na conjuntura internacional, a Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética continuava. Os americanos estavam voltados à reconstrução europeia e japonesa pós-guerra. Aliados latinos, como o Brasil, foram abandonados à própria sorte pelos EUA e precisaram se virar para financiar o próprio desenvolvimento.
Esses são alguns destaques desta terceira reportagem da série quinzenal “DC: Há 90 anos”, um presente do DIÁRIO DO COMÉRCIO aos leitores, em comemoração às nove décadas de existência do jornal.
De volta à Presidência, Vargas mantém o projeto nacionalista, com foco em transformar a indústria no setor-chave da economia, dando continuidade à política de substituição das importações. Porém, diferentemente da época da ditadura do Estado Novo, o presidente convivia com a democracia e com um Congresso que ele não controlava.
Sem o apoio de antes dos Estados Unidos e com uma proposta que restringia o capital estrangeiro na forma de investimentos diretos, Vargas buscou criar maneiras de financiar a indústria. Segundo a doutora em história econômica pela USP Tânia Maria Ferreira de Souza, do Departamento de Ciências Econômicas da PUC-Minas, o presidente adotou uma política de valorização cambial, que permitiu altas taxas de lucro às atividades fabris e a transferência dos excedentes do setor agroexportador ao setor industrial.
“Além disso, em 1952, Vargas criou o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, hoje BNDES), financiado por um adicional sobre o imposto de renda. Isso foi essencial para projetos de transporte e energia e para a industrialização. Outra medida foi a instrução 70 da Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito), que condicionava as importações aos interesses industriais, mediante leilão de divisas, com câmbio diferenciado conforme a essencialidade da importação”.
No campo trabalhista, o então ministro João Goulart estimulava a sindicalização das massas rurais e urbanas, mas deixava trabalhadores insatisfeitos com o salário mínimo.
Dessa forma, a política nacionalista de Vargas aumentou as divergências entre as classes que, em tese, sustentariam seu governo – os trabalhadores industriais e a burguesia nacional. “Os trabalhadores queriam desfrutar dos ganhos da industrialização, e os empresários, reduzir seus custos elevados por uma política cambial que onerava. O desfecho desse impasse foi o suicídio de Vargas, em agosto de 1954, e a morte de um projeto nacional que não chegou a ser implantado”, informou Tânia.
Após a morte de Vargas, o vice João Café Filho assumiu a Presidência e, embora tenha ficado no poder pouco mais de um ano (entre 1954 e 1955), fez uma reviravolta com seu ministro da Fazenda, Eugênio Gudin, um economista ultraliberal.
“A política econômica do Gudin era a antítese da política de Getúlio. Ele tinha objeção a propostas desenvolvimentistas e priorizava ações anti-inflacionárias, baseadas no controle da emissão monetária e do crédito. Sua principal medida foi a instrução 113 da Sumoc, que permitia às empresas estrangeiras instaladas no País importar máquinas e equipamentos sem cobertura cambial para complementar conjuntos industriais já existentes. Essa foi a forma encontrada por Gudin para extinção dos obstáculos à livre entrada de capital estrangeiro”.https://anchor.fm/diariodocomercio/embed/episodes/H-90-anos—Episdio-03—Dcada-de-1950-turbulncia-poltica-e-crescimento-econmico-e1lvfqa
Juscelino Kubitschek foi empossado governador de Minas em 1951. Nesta época, o Estado já contava com grandes companhias, como a mineradora estatal Vale do Rio Doce, a siderúrgica Belgo Mineira, indústrias têxteis e alimentícias e assistia ao crescimento gradual da Cidade Industrial em Contagem. Porém, a agropecuária era ainda a base econômica. Para que o setor industrial, símbolo do progresso, realmente avançasse nas áreas de mineração, siderurgia e metalurgia, JK precisou resolver os principais gargalos: energia e transporte.
“JK criou o DER (Departamento de Estradas e Rodagens) e tirou do papel um grande plano rodoviário, com a construção de 2 mil quilômetros de estradas e pavimentação de outros 500. Tudo com recursos do Tesouro Estadual, do Fundo Rodoviário Nacional e de parte da Taxa de Serviços de Recuperação Econômica”, contou o doutor em Economia pela UFRJ Cândido Luiz de Lima Fernandes.
Outra medida, que ocorreu em 1952, foi a criação da Centrais Elétricas de Minas Gerais, como a Cemig era chamada. “Esses órgãos (DER e Cemig) contaram com recursos de impostos estaduais, de financiamentos pelo BNDE e externos do Exim Bank e Banco Mundial, além de acionistas particulares”. Também é no período que o governo de Minas fez a barragem de Três Marias e Furnas.
Uma indústria atraída para Minas na década foi a siderúrgica alemã Mannesmann, que se instalou, em 1952, na região do Barreiro. E, em 1956, já no governo de Bias Fortes, nascia em Ipatinga, no Vale do Aço, a Usiminas, joint venture com participação da União e de acionistas japoneses, que entrou em operação na década de 1960.
Em 1955, JK se elegeu presidente com um ambicioso plano de levar progresso a todas as regiões brasileiras. A população crescia a uma taxa anual próxima de 3%, tendo atingido pouco mais de 60 milhões de habitantes, dos quais a maior parte vivia no campo. A importância do setor agropecuário no PIB, em 1956, ainda era de 21%.
Juscelino apostou em grandes investimentos públicos e privados nos setores industrial e de infraestrutura. O Plano de Metas, planejamento com 31 metas, incluindo a meta síntese que era a construção de Brasília, visava “desenvolver 50 anos em 5”.
“Energia, transporte, siderurgia e refino de petróleo receberam a maior parte dos investimentos. Estímulos foram concedidos à expansão do setor de equipamentos e insumos. Foram criados grupos executivos setoriais (Geia, Geicon, etc), que reuniam representantes públicos e privados para a formulação de políticas aplicáveis às diferentes atividades”, informou a doutora em História Econômica Tânia Souza.
O financiamento dos gastos foi feito com a expansão dos meios de pagamento de crédito, via empréstimos do BNDE. Parte desses créditos, voltada ao capital de giro das empresas, foi repassada pelo Banco do Brasil. “Como consequência, a inflação se manteve muito elevada. Mas, em contrapartida, no período 1957 a 1961, o PIB cresceu a uma taxa média anual de 8,2%, o que resultou no aumento de 5,1% ao ano na renda per capita, superando o próprio objetivo do Plano de Metas”, destacou Tânia.
Apesar de a produção de bens de capital e intermediários ter crescido de forma significativa no governo JK, não se conseguiu completar um departamento de bens de produção que possibilitasse autonomia ao Brasil.
“O mercado brasileiro era pequeno e ainda não sustentava as grandes escalas de produção exigidas para a fabricação de bens de alta tecnologia. Como consequência, as indústrias acabavam se dedicando à produção de produtos mais leves, deixando os mais especializados para a importação, o que resultou numa nova dependência financeira e tecnológica dos países desenvolvidos”, contou Tânia Souza.
Dado o peso grande das importações, o saldo da balança comercial tornou-se negativo a partir de 1958. “A situação se agravou em virtude dos prazos curtos de vencimento dos empréstimos externos, o que culminou no rompimento entre o Governo JK e o Fundo Monetário Internacional (FMI) e também com o Banco Mundial”, informou.
Durante a execução do Plano de Metas, Minas Gerais foi inserida em vários projetos. O setor de construção pesada teve grande impulso no Estado. Além disso, JK criou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e incluiu o Norte de Minas e os vales do Jequitinhonha e Mucuri na área de atuação do órgão. Segundo Cândido Fernandes, isso possibilitou o acesso de municípios a programas nacionais.
Outras regiões também beneficiadas por iniciativas de JK são o Alto Paranaíba e o Triângulo, impactadas economicamente pela construção de Brasília e interligadas a São Paulo e ao Centro-Oeste por rodovias construídas pelo governo federal.
“O Plano de Metas é um marco na história do planejamento econômico brasileiro, pelo fato de ter dado certo, com efeitos imediatos já na década de 50. As únicas metas que fracassaram foram a de expansão ferroviária – e hoje sofremos muito as consequências disso – e a da exploração do carvão mineral de Santa Catarina”, acrescentou Fernandes.
Em Belo Horizonte, os setores de comércio e serviços continuaram registrando crescimento na década de 1950. Mas a infraestrutura da Capital não acompanhava a rápida expansão populacional, motivada pelo grande fluxo migratório de zonas rurais. Além de crises no abastecimento de produtos básicos, como arroz, feijão, açúcar e carne, os problemas relacionados ao saneamento básico e ao transporte público se agravaram.
Para se ter uma ideia, a população quase dobrou ao longo da década, passando de cerca de 351 mil habitantes em 1950 para 693 mil em 1960. “Agravou o problema da localização das populações de baixa renda no espaço urbano. Houve uma expansão do mercado imobiliário, com lançamento de vários loteamentos, mas também a proliferação de favelas”, relatou a doutora em História Econômica Tânia Souza.
A Cidade Industrial e o prolongamento da avenida Amazonas trouxeram acelerada urbanização naquela direção, por meio de incorporações de terras rurais aos perímetros urbanos de Contagem, BH e Betim. A região do Barreiro também viveu um surto de urbanização com a instalação da siderúrgica alemã Mannesmann. “Em outro lado da cidade, a abertura da avenida Antônio Carlos, motivada pelo complexo da Pampulha, viabilizou a expansão do tecido urbano para o Vetor Norte”.