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Debate, promovido pelo DC, aborda possíveis caminhos para melhorar acesso à educação e à cultura de qualidade
Por: Thaíne Belissa Em 14 de julho de 2022
Viver em uma sociedade mais justa e igualitária, que seja próspera e, ao mesmo tempo, sustentável. A proposta é o ideal por trás dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) instituídos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015, que orientam ações no mundo todo de instituições que desejam esse novo projeto de nação. Mas será que é possível conceber uma sociedade transformada com um sistema educacional que não muda?
Esse questionamento foi o ponto de partida do primeiro episódio do Diálogos DC 90 anos, disponibilizado hoje (7), no Youtube do DIÁRIO DO COMÉRCIO. A iniciativa, que está no seu sexto ano, acontece em 2022 no formato on-line e será composta por cinco ciclos de debates com temáticas baseadas nos 17 ODS.
O Diálogos DC acontecerá entre julho e novembro e será encerrado com a comemoração dos 90 anos do DIÁRIO DO COMÉRCIO e a realização do Prêmio José Costa, que reconhece empresas e iniciativas que trabalham para a construção de um mundo melhor.
O primeiro debate do Diálogos DC 90 anos discutiu a “Qualidade da Educação e da Cultura”, com base no ODS 4: “assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Entre os convidados estava a pesquisadora sênior da FGV-Rio, especialista em gestão de sistemas educacionais e assessora da Fundação Itaú Social, Pilar Lacerda, e o diretor-geral do Centro Cultural Galpão Cine Horto, Chico Pelúcio.
Também participou a CEO e cofundadora do Embaixadores da Educação, Guilhermina Abreu, que apresentou o “Crie o Impossível”, iniciativa que busca inspirar o protagonismo em jovens do ensino médio de escolas públicas em todo o Brasil. O evento foi mediado pela jornalista Paola Carvalho, que ainda convidou para o momento do debate o diretor do Instituto Orior e representante do Movimento Minas 2032, Raimundo Soares, e o presidente do Conselho Empresarial da Educação da ACMinas, Antônio Cabral.
Logo no início de sua exposição, a pesquisadora Pilar Lacerda lembrou que a escola reflete a desigualdade da sociedade brasileira, que é marcada por profundas diferenças entre os povos, herdadas do período escravocrata. Ao contar sua própria experiência com a escola pública, ela frisou que, há 60 anos, o seu acesso ao ensino foi um privilégio, tendo em vista que naquele contexto a cada criança que estudava outras 100 nunca haviam pisado na escola. Essa realidade reflete no Brasil de hoje, com cerca de 70 milhões de adultos com baixa escolaridade.
“Como atingir os ODS sem uma educação pública para todos?”, questionou, ao mesmo tempo em que reforçava que o “e” no “todes” não era mera adequação linguística, mas um reconhecimento urgente da diversidade de alunos que precisa ser incluída na escola.
“Temos no Brasil um histórico de não comprometimento das classes dominantes com a escola para todes. A gente nunca pensou nos excluídos que são os LGBTQI+, as pessoas com deficiência (PCDs), as mulheres, os negros, os quilombolas, os ribeirinhos e quem mora no campo. Precisamos garantir a matrícula de todas as crianças a partir de 4 anos em uma escola com infraestrutura digna e com garantia de aprendizagem”, frisou.
A especialista destacou que, para que isso seja realidade, a educação precisa se tornar um valor no Brasil, aos moldes do que acontece, por exemplo, na Alemanha. Lá, há uma verdadeira celebração comunitária quando uma criança conclui a educação infantil e se torna oficialmente um estudante do ensino fundamental.
“Atingir o ODS 4 e outros que transpassam a educação vai demandar engajamento real, compromisso na hora do voto e exigir que a gente aja de maneira cidadã na cobrança de políticas públicas. Será necessário buscar parceiros na sociedade civil e entre os empresários para tecer uma rede de garantia de acesso, de permanência e de aprendizagem significativa e transformadora”, concluiu.
As políticas públicas tão necessárias à educação citadas por Pilar Lacerda também foram lembradas pelo diretor-geral do Centro Cultural Galpão Cine Horto, Chico Pelúcio. Ele falou sobre o desafio de grupos culturais, como o Galpão, que não conseguem fazer planejamento de médio e longo prazo por causa das leis de incentivo, que mudam constantemente a cada alteração na máquina pública.
Pelúcio também defendeu a transversalidade da educação e da cultura, frisando a necessidade de trazer, de forma mais contundente, a arte para dentro da escola. “A arte é um elemento fundamental na constituição de uma criança e tem que estar na educação. Temos que ensinar nas escolas o olhar ao belo e o olhar crítico. Mas essa educação que está aí hoje não dá conta disso, não suporta esse questionamento que a arte propõe”, destacou.
Para Chico Pelúcio, é justamente na educação e na cultura que os líderes encontrarão respostas para construir uma sociedade melhor. “A vida saudável nos centros urbanos é a preocupação dos pensadores hoje e isso inclui soluções práticas como transporte público e acesso a serviços públicos, mas também questões como a empatia, a tolerância, a generosidade e a compreensão do outro. Nesse aspecto, a cultura e a educação podem dar sua contribuição na formação dos cidadãos”, afirmou.
Guilhermina disse que sua percepção mudou quando chegou a sua vez de ir para a escola pública. “Eu estudei por um tempo em escola particular com bolsa, mas depois tive que ir para a escola pública. Fiquei assustada com o abismo de diferença no ensino. Foi quando minha ficha caiu: no Brasil, a sua história de transformação por meio da educação vai depender se você tem ou não dinheiro. Cheguei ao ensino médio sem perspectiva e revoltada com a educação. Eu pensava: o que adianta esse poder de transformação se não é para todos?”, relatou.
Foi justamente nesse momento que Guilhermina recebeu a oportunidade de ingressar no Núcleo de Empreendedorismo Juvenil do Plug Minas, um projeto educacional do Governo de Minas que funcionava no contraturno escolar. A oportunidade transformou sua vida e a de seus colegas, que se formaram e conquistaram seus lugares na universidade, acessando a Bolsa do Prouni.
“Eu nem sabia o que era Prouni, mas no Plug Minas me disseram que isso era possível. Depois eu descobri que eu podia tentar uma bolsa numa faculdade que se chamava Ibmec. Por causa de uma oportunidade que eu acessei, consegui muitas outras e é assim que funciona. Mas se eu não tivesse sido oportunizada, estaria dormindo na sala de aula”, disse.
Foi essa percepção de que a oportunidade precisava chegar a mais estudantes e também a revolta com a qualidade do ensino público no Brasil que levaram Guilhermina e alguns outros colegas a idealizarem a Embaixadores da Educação. Hoje, a ONG realiza o “Crie o Impossível”, um grande evento de inspiração de estudantes, que é sediado a cada ano em um estádio de futebol de uma cidade diferente, além de ser transmitido dentro de escolas públicas de todo o Brasil.
O evento traz para o palco 11 palestrantes que têm origens semelhantes às dos estudantes e os inspira a serem protagonistas das mudanças que eles desejam para a sua comunidade. “Identificamos que há um déficit de sonho entre os estudantes de escolas públicas, e esse problema da motivação precisa ser resolvido antes de oferecer a eles qualquer formação. Nesse contexto nasce o Crie o Impossível, que é um dia em que o aluno vai ter a aula mais inspiradora da vida dele e enxergar referências de heróis possíveis”, explicou.
Na sua 4ª edição, realizada em junho deste ano, o “Crie o Impossível” impactou mais de 200 mil estudantes de escolas públicas de todo o Brasil. Após o evento, os alunos são convidados a participar de outra iniciativa da ONG, que é a plataforma Empower, que desafia os jovens a desenvolverem soluções para problemas reais em suas escolas, a partir das temáticas dos ODS. Aqueles que comprovam o impacto dos seus projetos acessam oportunidades educacionais, como bolsas de estudos e de intercâmbio educacional.
Que políticas públicas são primordiais para a garantia da qualidade da educação e da cultura não há dúvidas. Mas também é certo que, sozinhas, elas não darão conta do desafio. Essa foi a conclusão do diretor do Instituto Orior e representante do Movimento Minas 2032, Raimundo Soares, após a exposição dos convidados do primeiro ciclo de debates do Diálogos DC 90 anos.
“A Pilar trouxe a importância da gestão da educação, que está ligada à mente, o Chico falou de cultura, que é o espírito da nação, e a Guilhermina traz o exemplo do fazer acontecer pela sociedade. Eu acredito que a saída é justamente por aí: no encontro dessas partes e em um pacto educacional que faça a sociedade puxar as soluções e cobrar dos governantes a educação que nós queremos”, disse.
O presidente do Conselho Empresarial da Educação da ACMinas, Antônio Cabral, também defendeu uma união de esforços na luta por uma educação de qualidade e questionou o papel do empresariado nessa missão. Ele lembrou que é preciso que os representantes do setor corporativo “saiam de seus feudos” e contribuam de fato com essa causa. Ele também lembrou a necessidade de conquistar a juventude para o magistério e de tornar a escola mais atraente.
Argumento reforçado por Pilar Lacerda, que destacou que boa parte dos alunos estão entediados com a escola, que precisa de transformação. Mas ela lembra que essa mudança deve ser entendida e abraçada pela sociedade. “A escola não pode ser o lugar do tédio, mas da curiosidade, da pesquisa, da socialização, do conhecimento. Isso vai acontecer quando a sociedade se unir como comunidade para garantir essa escola contemporânea, que não exclui e que é para todes”, disse.
Chico Pelúcio destacou que alguns setores da sociedade ainda insistem em não enxergar a causa da educação e da cultura e que isso é prejudicial não apenas para os jovens estudantes, mas para a sociedade como um todo, para a sobrevivência da cidade e até das relações comerciais, que dependem da formação de cidadãos. “Infelizmente alguns setores são míopes e não enxergam que essa causa tem a ver com eles também”, lembrou.
A presidente do DIÁRIO DO COMÉRCIO, Adriana Muls, encerrou o debate lembrando que, embora essa ausência de comprometimento ainda seja realidade, há outros exemplos, como o trazido por Guilhermina, que mostram o poder do envolvimento da sociedade.
“Esse é o objetivo do Diálogos DC: articular diferentes setores para um projeto de futuro construído pela sociedade, um projeto em que nós, cidadãos, nos apropriemos de nossas responsabilidades. Esse é só o começo do debate, a conversa não termina aqui, e o DIÁRIO DO COMÉRCIO está de portas abertas para esse jornalismo propositivo que nos ajude a parar de jogar os problemas para debaixo do debate, a parar de falhar como sociedade e a construir um futuro melhor do que esse que vislumbramos hoje”, concluiu.